Alessandro Saade (*)
A Dri, minha esposa, é apaixonada pelo carnaval! Pelo ritmo, pelas cores, pelo enredo, pelas alegorias, pelo brilho, pela energia, pela criatividade, pelo sincronismo, pela mistura do individual com o coletivo. Enfim, pela complexa beleza do momento do desfile.
Acredito até que, se eu não tocasse bateria, não teria muita chance com ela.
Assistindo aos desfiles pela televisão, sempre me surpreendo com as entregas em alto nível das escolas de samba.
É um desafio absurdo! Todos os anos criar um tema novo; dele compor um samba; do samba extrair o enredo, a narrativa do desfile; depois, converter o enredo em algo visual e tangível, com fantasias, coreografias, carros alegóricos, esculturas; ensaiar a execução da música e da coreografia à exaustão, enquanto buscam recursos, costuram fantasias, constroem carros enormes, buscam por eficiência na operação, aprendendo com os erros anteriores e se inspirando nas soluções das escolas rivais ou mesmo de outros segmentos como cinema e indústria.
E tudo isso por apenas uma única chance anual disso tudo dar certo e ser decimalmente mais bonito, mais eficiente e mais encantador que as demais escolas, que se empenharam tanto quanto você.
Parece uma regra injusta, mas é clara, pública e todos entendem e aceitam. Uma competição, que você entra sabendo que tem menos de 10% de chance de vencer. 8,33% para ser exato.
Aqui vale reiterar a premissa dos meus artigos. Escrevo sem juízo de valor, buscando extrair a beleza e a inspiração do lado meio cheio do copo. Assim, não entrarei no mérito da relação do carnaval com o jogo do bicho demais contravenções, apesar de saber da sua existência e dos seus malefícios.
O lado que escolhi analisar é bem mais relevante, valioso e inspirador. Lhe convido a trilhar esta jornada comigo e a forma que encontrei para isso, foi trazer o conceito de Infinity Game, o Jogo Infinito do Simon Sinek.
O conceito contrapõe duas visões, duas atitudes distintas na condução dos negócios. E porque não, da vida?
Uma visão é de jogo finito. Joga para vencer seu rival, para ganhar aquela partida, aquele campeonato. Nada mais importa. Então sua competição é mais fechada, com foco na concorrência, atributos, portfólio.
Já o jogo infinito traz uma visão de evolução, de continuidade. O objetivo é a perpetuação no longo prazo. Às vezes você ganha, às vezes você perde, mas está sempre em constante evolução, aprendendo com os erros, buscando melhorar, crescer, aumentar seu impacto.
O Jogo Infinito baseia-se em cinco pontos, que transformam a maneira pela qual você enxerga e interage com o mundo dos negócios. E, porque não, também com a vida.
O primeiro deles é ter uma causa justa.
Uma casa que lhe faça rever conceitos, abrir mão de benefícios ou regalias, somente para fazer parte, para estar presente. Pode ser ganhar um salário um pouco menos, mas fazer parte de algo muito maior.
Nas escolas de samba, isso é muito claro. É a perpetuação da história, da tradição de uma comunidade, que de forma sinérgica e contínua, transmite valores, forma cidadãos, protege a cultura e gera valor. E ainda assim é um negócio social, coletivo, cultural!
Na comunidade se percebe imediatamente a valorização dos esforços individual e coletivo, a transmissão e perpetuação da história, dos personagens, das vitórias e dos aprendizados das derrotas. Uma integração entre as antigas gerações com as mais novas, juntas, com suas contribuições que compõem o todo de uma escola de samba.
O segundo ponto é ter times confiáveis.
Pessoas engajadas, que possuem iniciativa, determinação, sabem que só funciona se for junto, em grupo, colaborativo, pelo coletivo. Claro que alguns se destacam mais que outros, mas todos têm sua importância. Se o staff não empurra o carro alegórico, não tem espaço para o mestre sala e a porta bandeira evoluírem pela avenida, protegendo e honrando o pavilhão da escola, da comunidade.
Todos sabem sua função, tem autonomia para agir e treinam bastante para tudo dar certo no dia do desfile.
Aqui fica muito clara a força da comunidade, da colaboração, do planejamento, da prática, do esforço para a melhoria constante, do respeito às diversidades com diferentes competências complementares.
O terceiro ponto é um rival digno.
E aqui fica ainda mais bonito. 12 escolas, competindo entre si com respeito, cordialidade e, em muitos casos, colaboração.
O fato da escola rival existir, de ter competências que a minha escola não tem, só me faz querer evoluir e estar num patamar melhor que onde estou agora. É conspirar juntos. O simples fato da escola rival existir, já me estimula a evoluir, a crescer, a melhorar.
Aprendem e inspiram umas às outras. Claro que querem ganhar. Trabalharam duro o ano todo para isso. Mas algo maior está em jogo e a competição limpa leva todas as escolas, sem exceção, a um outro patamar, mais elevado, ano após ano.
O quarto é a capacidade de uma flexibilidade existencial.
Imagine se toda vez que a escola perdesse – e tem 91,66% de chance disso acontecer todos os anos – a comunidade entrasse numa espiral descendente de frustração, de culpa, de decepção.
Se preparam o ano inteiro para um campeonato de um jogo só. Uma única apresentação no ano, com um pouco mais de uma hora de entrega, concentrando o esforço de 365 dias, ou 8760 horas.
Provoco o Time Espro, dizendo que precisamos mudar muito para continuarmos a ser os mesmos. A flexibilidade de adaptação é a garantia de perpetuação. A essência e o propósito continuam os mesmos, mas a forma pela qual cumpriremos nosso propósito muda ao longo do tempo, nos provocando uma mudança, uma adaptação, uma evolução.
O porque está sempre muito claro. Já o como, muda sempre.
E por fim, o quinto ponto, é coragem para liderar.
É uma enorme responsabilidade carregar a missão de perpetuar uma história ao mesmo tempo em que lidera um time para novos desafios. Trazer a precisão da razão, da execução do ritmo impecável, da gestão dos recursos existentes, convergindo com a emoção, com a beleza do design de fantasias, a plasticidade das coreografias e a cultura de gerações sob um pavilhão que representa a todos. Não é fácil.
Some-se a isso a necessidade de enxergar o todo, de conectar o ambiente com as competências existentes em cada um dos componentes do seu time, de maximizar o uso dos recursos disponíveis enquanto busca por novos recursos, de desenvolver novas habilidades no time, de manter todos motivados e engajados. Afinal, no fim é sempre gente com gente.
Para fechar tragou mais um fato que chamou a minha atenção. Neste ano a Rede Globo não conseguiu fechar as cotas de patrocínio do carnaval, o que pode indicar uma mudança na estratégia de investimento dos patrocinadores, um reflexo do momento econômico nacional e global, uma mudança no padrão de consumo de entretenimento reflexo da pandemia e da aceleração da tecnologia… ou nada disso, pois as arquibancadas da Sapucaí estavam abarrotadas.
Mas que algo mudou e que novamente o mercado deverá ser criativo para manter o espetáculo no ar, disso não tenho dúvida.
Desafio, mudança e superação é um ciclo recorrentemente presente nas histórias de empreendedorismo.
Então, bora lá!
(*) É Fundador dos Empreendedores Compulsivos, é também executivo, autor, professor, palestrante e mentor. Possui mais de 30 anos de experiência atuando com grandes empresas e startups brasileiras, tornando-se referência no universo do empreendedorismo no Brasil. Formado em Administração pela UVV-ES, com MBA em Marketing pela ESPM e mestrado em Comunicação e Mercados pela Cásper Líbero, especializou-se em Empreendedorismo pela Babson College e em Inovação por Berkeley. Atualmente é Superintendente Executivo do ESPRO, instituição sem fins lucrativos que há 40 anos oferece aos jovens brasileiros a formação para inserção no Mundo do Trabalho.