Bruno Tocantins (*) e Fernanda Leite (**)
Ao analisarmos o World Talent Report, ranking anual publicado pela escola de negócios suíça IMD, é possível constatar que o Brasil ainda é um lugar bastante incipiente no que tange à capacidade de desenvolver, atrair e capacitar talentos.
No último ranking publicado pela escola, em 2015, o Brasil ocupou a 57ª posição entre 61 países, refletindo não somente sua situação econômica, como também a ausência de investimento real para a qualificação dos profissionais atuantes no mercado de trabalho e de criação de condições atrativas que viabilizem o intercâmbio de conhecimento e de mão de obra diferenciada.
Neste sentido, a pesquisa identificou condições ruins em vários pontos, em especial na educação, devido à falta de qualificação local e à burocracia dos trâmites trabalhistas, decorrentes de uma legislação antiga e inadequada às inovações mundiais de mercado. A burocracia, portanto, torna-se um entrave para atrair mão de obra estrangeira, que apresentou declínio de 4,2% no último ano no país, indicador também resultante da desaceleração econômica nacional.
A autorização de estrangeiros para trabalho no Brasil não é uma tarefa simples, pois demanda a validação da documentação da empresa e do funcionário, bem como a autorização por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, processo lento e que pode desestimular este tipo de contratação. O trabalhador estrangeiro qualificado tem alto valor para a economia global e não menos para a brasileira, que sofre com a escassez de talentos para suprir a demanda de mercado e de transferência de conhecimentos.
Em 2013, foi lançado o e-Social (Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais Previdenciárias e Trabalhistas), projeto do Governo Federal que tem por objetivo unificar o envio de informações trabalhistas, fiscais e tributárias pelos empregadores sobre seus empregados. O objetivo, segundo o governo, é desburocratizar e modernizar a gestão pública, facilitando a comunicação entre a Caixa Econômica Federal, o Ministério da Previdência Social, o Instituto Nacional do Seguro Social e a Receita Federal.
Independente da promessa de tornar o processo mais simples, o foco da implantação do programa do e-Social é ampliar a fiscalização e o controle da arrecadação de tributos, mesmo diante de uma realidade em que o empresário brasileiro gasta 2.600 horas por ano com o recolhimento de tributos e entrega de informações aos órgãos oficiais, ocupando o 179º lugar no ranking Doing Business 2016, conforme pesquisa do Banco Mundial que analisou 189 economias. Longe de ser uma menção honrosa, o Brasil teve baixíssima performance no quesito “burocracia” e caiu duas posições no último ano – ocupou a 177ª posição em 2015 e a 179ª posição em 2016.
O sistema do e-Social ainda é burocrático. A modernidade dos recursos tecnológicos deveriam nos servir como propulsores de velocidade, mas não é esse o resultado, sobretudo tomando-se por base a prévia e bastante confusa aplicação exclusiva do sistema aos contratos de trabalho de empregado doméstico. A papelada do mundo analógico, embora com menor duplicidade e necessidade de múltiplas vias, será sistematicamente transferida para o ambiente digital. Ou seja, é bem possível que o ganho objetivo se perca no meio do caminho. Além da adequação ao novo programa e aos procedimentos obrigatórios para o envio das informações do empregado, o canal eletrônico apresenta irregularidades em seu funcionamento e lacunas quanto às necessidades e multiplicidades de situações geradas pelos contratos de trabalho.
As relações de trabalho e de emprego originam um Direito Vivo, responsável por analisar a realidade e as relações sociais. Consequentemente, são incontáveis as variáveis que devem ser atendidas e abarcadas pelo programa sob pena de tornar sua utilização inviável, em especial no que tange trabalhadores estrangeiros.
Os empregados estrangeiros têm os mesmos direitos trabalhistas que os brasileiros, inclusive em relação ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Assim, seus empregadores também deverão repassar suas informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais pelo e-Social. Entretanto, os registros e cadastros destes estrangeiros, bem como seus contratos de emprego e relações de trabalho, não são iguais aos dos empregados de nacionalidade brasileira. E novamente voltamos a perder: essas diferenças não foram contempladas no e-Social. É evidente a lacuna referente aos documentos e permissões necessários para viabilizar o cadastro do estrangeiro no novo sistema.
Sabemos o quão trabalhoso e demorado é o procedimento de solicitação de documentos. O Cadastro de Pessoa Física (CPF) e o Numero de Identificação Social (NIS) estão entre essas necessidades, que devem estar em consonância ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Novas siglas e documentos poderão resultar em menos trabalhadores e menos troca de conhecimento para o país.
Sem cumprir um amplo passo a passo, não é possível registrar o trabalhador de outra nacionalidade e, sem registro, não é permitido o trabalho. É evidente que o excesso de papelada, autorizações e carimbos em nada contribuem ao aumento da produtividade das empresas. Vê-se que, além de todas as questões jurídicas e de aplicabilidade de legislação trabalhista, podemos esperar ainda mais restrições contratuais, menos mão de obra e declínio da geração de emprego, de conhecimento e de crescimento econômico.
(*) – É sócio do escritório Tocantins Advogados e membro do Comitê de Assuntos Jurídicos da Câmara de Comércio Americana do Rio de Janeiro;
(**) – É advogada do escritório Gustavo Padilha Advogados.