Juliano Costa (*)
Por séculos o repositório mais importante dos escritos da Antiguidade foi a Biblioteca de Alexandria.
Situada ao norte do Egito, a instalação tinha como objetivos salvaguardar um imenso acervo de papiros e livros, incentivar o espírito investigativo de cientistas e literatos, além de preservar a memória cultural da Europa e do norte africano para as civilizações futuras. Nesse contexto, a obra escrita era um item absurdamente valioso. Os papiros e livros eram protegidos como “relíquias” do conhecimento humano, e as bibliotecas eram lugares raros em que sábios, filósofos, cientistas e curiosos iam para ler e, posteriormente, tentar reproduzir o conhecimento aprendido para outros grupos.
O conhecimento concentrado em livros de papel se repete ao longo da história. Porém, nos últimos 100 anos – e mais de 2 mil depois da Biblioteca de Alexandria, os recursos audiovisuais atuam lado-a-lado com as mídias físicas e tradicionais como jornais, permitindo que o conhecimento popular e, em certa medida o acadêmico, ganhe escala. No entanto, essas tecnologias não significam a universalização do conhecimento, visto as limitações de acesso aos dispositivos físicos de acesso por boa parte da população.
A realidade foi severamente alterada com a chegada da internet e de dispositivos móveis de consumo de informação. As telas e caixas de som dos aparelhos permitem que milhões de seres humanos acessem uma rede aberta, populada de informações, com provedores de conteúdos gratuitos. O foco na experiência, no engajamento, na captura da atenção do consumidor da informação e na competição global pelos usuários fez com que plataformas e dispositivos fossem ficando cada vez mais acessíveis, plurais e diversificados, gerando uma explosão de consumo digital de conhecimento.
Por que ir à Biblioteca de Alexandria se eu posso acessar Alexandria.com? A reflexão é simplista e esbarra em diversas questões no caminho: a tradição do material impresso, o conforto da leitura, a qualidade do conteúdo, a pluralidade de fontes, a falta de curadoria, a dispersão do leitor com tantas opções e pouco foco, a inexistência de orientação – sem tutoria, sem mestre, sem professor -, todas devidamente mapeadas, discutidas e postas como problemas para essa nova biblioteca global de informação que surgiu nos últimos 30 anos.
No entanto, é inegável que podemos resolver quase todos esses problemas e aproveitar o máximo de uma “virtualização do conhecimento e da leitura” em plataformas desenhadas para isso. O conceito de biblioteca digital foi um dos primeiros a ser discutido nessa nova era da informação em nuvem e continua em constante processo de melhoria. São atualizações de acervo, oferta de experiência ao usuário como funções de marcação, destaque, compartilhamento, avaliação e gamificação, como incrementos nas funcionalidades de segurança, na curadoria ou na relação entre o leitor e o livro.
O texto virou vídeo, áudio, animação, se transformou em experiência avaliativa e em acervo pessoal imaterial, com portabilidade quase plena, atualização constante e acesso instantâneo. A tecnologia permitiu uma Biblioteca de Alexandria no bolso de cada ser humano. A resistência aos acervos digitais é complexa e envolve discussões mais emocionais do que racionais. Mas, obviamente as gerações mais recentes e mesmo as pessoas que ainda têm na biblioteca física um sonho de consumo refletem dia após dia sobre o impacto, abrangência e capilaridade que bibliotecas digitais podem ter para a humanidade, especialmente para as comunidades menos favorecidas.
A mudança de mentalidade no consumo da informação através de plataformas digitais de conhecimento (vamos separar aqui das plataformas digitais de aprendizagem) requer muita integração com práticas historicamente consolidadas na sociedade, nas famílias, na própria instituição educacional. Por enquanto, nos parece que o “conhecimento em nuvem” ainda não foi integrado à uma “sociedade em nuvem”, a não ser em mídias e redes sociais que conseguiram fazer isso muito bem, deixando a academia para trás.
E isso tem gerado uma onda de “negação da ciência”, de “pós-verdades” como nunca visto antes na história humana. Nos parece absolutamente urgente e necessário a popularização e pluralização da informação científica, curada, orientada, aberta e qualificada para que a população que hoje já tem os meios também tenha conteúdos necessários ao desenvolvimento pessoal, profissional e social. E que os sujeitos historicamente responsáveis pela produção e divulgação do conhecimento entendam esse momento e abracem uma mudança de mentalidade, permitindo a todos o acesso e entendimento do conhecimento produzido, para que “o sono da razão” não produza monstros.
Acreditamos plenamente nesse ideal e estamos engajados na ação contínua de prover conteúdo e plataformas de popularização do conhecimento com todos os requisitos para garantir a contínua aprendizagem das sociedades através de soluções engajadoras, plurais, democráticas e de qualidade, sem restrições ao conhecimento acadêmico e possíveis de serem acessadas por todos, em qualquer dispositivo. Alexandria é aqui.
(*) – É vice-presidente de Produtos para América Latina da Pearson.