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Sorrisos de plástico

em Opinião
quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Heródoto Barbeiro (*)

As palavras existem para disfarçar o pensamento.

Essa prática é usada consciente ou inconscientemente todos os dias e ganha maior dimensão quando é mostrada nas fotos e vídeos divulgadas na mídia e nas redes sociais. Políticos de todos os matizes paraticam esse comportamento todos os dias. O conteúdo das frases não é o que o autor está pensando nem sentindo, mas o que pode mostrar uma vez que está agindo como um ator, como constatou o político francês Talleyrand.

Uns o classificam de cínico, outros de patriota, mas o fato é que insistia que não apoiava governos, apoiava o país. Talvez por isso ficou no poder tantos e tantos anos e serviu como um soldado da revolução, da república, da monarquia absolutista e da monarquia constitucional.

Para variar, como tantos outros, também não escapou da denúncia de corrupção, ainda que no período do Terror da Revolução Francesa esse crime era punido pela guilhotina. Em outras palavras ensinou que quanto mais dissimulado for o político, mais tempo fica no poder. Mudam os governantes, mas ele sempre está lá ao lado dos poderosos de plantão. O famoso papagaio de pirta. Nós temos vários exemplos na política brasileira.

Ver através da máscara da face, quanta gente, talvez, que inveja nos causa, então piedade nos causasse. São versos de Raimundo Correa. Ainda que não seja possível avaliar integralmente as emoções e o real interesse de uma pessoa, é possível avaliar parte do seu íntimo com uma análise de sua comunicação gestual.

Mesmo os sorrisos plastificados com que autoridades entram em auditórios e locais de cerimônias não são perfeitos a ponto de disfarçar o treino que teve nos bastidores antes de enfrentar o público e os jornalistas com suas poderosas câmeras. O caminho entre o bastidor o púlpito de onde vai falar parece interminável, as vezes o sorriso se desmancha antes que possa pegar o discurso para ler ou olhar para um bem escondido tele prompter.

O amparo é começar a falar o mais rapidamente possível, reproduzir os gestos ensaiados, as pausas, os olhares de um canto da sala ao outro possibilitados pelas duas telas do leitor eletrônico. Terminada a leitura, a saída mais rápida possível do ambiente para que o público presente ou nas mídias sociais leia em seu rosto e nos gestos a angustia que sente, mas não pode expor. As palavras não vieram do seu coração, mas das mãos de ghost writers bem pagos.

Estamos assistindo inúmeros exemplos dessa comunicação não só nas aparições do chefe de governo. Estão também nas tribunas da câmara e do senado, ainda que com mais ênfase uma vez que ninguém presta atenção no orador , mas o que vale é a transmissão da televisão. Nas audiências do judiciário onde pessoas outrora fortes e comprometidas com um pacto se recusavam a responder às perguntas do juiz.

De uma hora para outra se apresentam colaborativos, cabisbaixos, contritos, na esperança que sua delação lhes renda menos tempo de cadeia. Ou ainda os que, ao se verem perdidos, não tem mais disfarces para apresentar. Estão em farrapos, então o que resta é assumir uma postura de liderança, atacar os antigos aliados, alternar a postura de réu injustiçado e perseguido político e do pobre homem que não merece nenhuma punição. A história e a realidade atual estão coalhadas de exemplos.

Alguns ainda acreditam que a sua máscara vai convencer a todos das suas mensagens, esquecem-se que com a atual tecnologia, posta na mão da maioria dos cidadãos, é possível, ver, rever, ver novamente e finalmente compartilhar comentado com o grupo.

(*) – É âncora do Jornal da Record News e professor emérito da ESPM.