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Obesidade: educar ou chocar?

em Opinião
sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Cid Pitombo (*)

Há 20 anos me dedico a cuidar e entender o que acontece aos pacientes com obesidade.

Operei no mundo todo, escrevi livro e artigos, fiz mestrado e doutorado e, principalmente, vivenciei e vivencio a vida deles. Aprendi muito. O Brasil é um dos países com uma das maiores epidemias de obesidade, mas será que nós e o governo sabemos realmente quais as reais consequências dessa doença?

Será que a população sabe que a infiltração gordurosa no fígado, conhecida como esteatose hepática, pode levar a uma hepatite por gordura e cirrose hepática? Hoje, essa já é a segunda causa de transplante de fígado. E quantas das mortes anotadas como infarto decorreram de uma barriga volumosa, que sabidamente inibe uma enzima protetora das coronárias e facilita o acúmulo de gorduras nela?

Diversos estudos demonstram que, em alguns anos, nenhum sistema de saúde terá capacidade financeira de arcar com os custos de pacientes infartados, hipertensos, diabéticos e com outras tantas doenças causada pela obesidade. Estamos lidando com uma epidemia de ramificações descontroladas, potencializada por uma população mal informada.

Campanhas para enfrentar a aids, o tabagismo e mesmo para estimular o uso do cinto de segurança inicialmente chocaram a população, mas pouco a pouco todos entenderam que, às vezes, o impacto de uma má notícia serve como aprendizado. É dever nosso, e principalmente do governo, demonstrar a trágica história de saúde que acompanha a obesidade — assim como fizemos com o fumante.

É a partir daí que cada um deve decidir se é esse o caminho que planejava trilhar. Era isso que você imaginava quando criança?

O excesso de peso pode dificultar o caminhar e as atividades cotidianas mais simples, como tomar banho ou se higienizar. Não se trata de discriminar o obeso. Pelo contrário. Estamos falando de uma doença, e não de preguiça ou gula. Existem milhões de indivíduos com obesidade em filas para tratarem problemas associados a ela.

O SUS incorporou às suas diretrizes medidas como a disponibilização da cirurgia bariátrica por acesso videolaparoscópico, sabidamente muito mais seguro e menos invasivo. No entanto, essa ainda não é uma realidade na maioria dos serviços espalhados pelo país afora. O acesso ao procedimento ainda está limitado, e não cresce na mesma progressão que a quantidade de obesos em situação de morbidade.

O tempo de espera nas filas para a cirurgia bariátrica, dependendo do Estado, pode chegar a sete anos. Alguns, como Rondônia, Paraíba, Acre, Roraima e Piauí, sequer disponibilizam o procedimento. O Rio de Janeiro, no entanto, tem dado o exemplo e está garantindo vida a essa população. Em pouco mais de seis anos, saímos de uma realidade de 20 cirurgia por ano para cerca de 500 em 12 meses.

E todas por acesso videolaparoscópico, o que inspirou o Ministério da Saúde a recomendar o mesmo para todo o país. O tempo de espera médio para atendimento no Rio de Janeiro não chega a um ano e a chamada fila está totalmente equilibrada. Estamos chegando a 2 mil pacientes operados, que juntos perderam quase 100 toneladas de peso. No Rio, provamos que é possível.

Dignidade no tratamento de uma doença que é grave e está matando.

(*) – É cirurgião e coordenador do Programa Estadual de Cirurgia Bariátrica do Rio de Janeiro.