Eduarda Fabris (*)
Fato até então inédito, a economia brasileira passou, a partir de 2015, por dois anos consecutivos de recessão.
A isso, seguiu-se um crescimento pífio que, quando parecia ganhar algum impulso, foi traumaticamente interrompido em março último. As projeções apontam para uma queda do PIB entre 6% e 9% neste ano. A volta do nível de atividade aos patamares pré-crise é aguardada somente para 2023. Impacto mais dramático da situação econômica, o desemprego passou de 11,6% para 12,9% durante a pandemia.
Embora esses dados apontem para um desamparo generalizado, há setores que se mantêm ativos. Alguns deles têm efeitos multiplicadores, ao influenciar, a partir de sua demanda por produtos e serviços, inúmeras cadeias, impulsionado a manutenção e geração de empregos em diversos segmentos. Neste aspecto, a construção civil é fundamental para a recuperação econômica.
A fim de garantir a demanda por novos imóveis, os financiamentos habitacionais dos bancos públicos têm suas taxas reduzidas de forma recorrente. Os impactos dessa política ganham eco no programa Minha Casa que, por conta do déficit habitacional superior a 55 milhões de moradias, mantém as vendas do segmento popular mesmo em meio à generalizada perda de poder aquisitivo. Também garantem atividade ao setor alguns perfis de lançamentos, particularmente, os voltados a segmentos da classe média e para o alto padrão.
Ocorre que as ofertas da indústria neste momento são, basicamente, as que estavam em estoque, suficientes hoje por conta dos efeitos da crise decorrente da pandemia. Mesmo com o quadro atual levando à postergação de intenções compra, a construção civil terá de erguer novos empreendimentos para atender a uma demanda que, mesmo reprimida, ainda se fará presente. Para tanto, precisará de novas fontes de crédito.
Se na ponta do consumidor final há alternativas, os recursos que viabilizam a atividade das empresas do setor – e os seus consequentes efeitos multiplicadores na economia – tornam-se escassos. A construção civil já se vale de formas inovadoras para se financiar, as quais, a partir do quadro atual, tendem a se multiplicar, ganhar escala e, nas modalidades já existentes, escopo.
Surgido no país há cinco anos, o crowdfunding imobiliário tem atraído número crescente de pequenos investidores que, seduzidos por rendimentos na casa dos 15% ao ano, reúnem, a partir de pequenos aportes, montantes crescentes de recursos usados por incorporadoras na realização de seus projetos. No país, o modelo possibilita a pessoas físicas aplicar, com aportes que partem de R$ 1 mil, em um segmento significativamente rentável do financiamento à construção civil, antes restrito a investidores qualificados.
O crédito de bancos ao setor tem das menores taxas do mercado. Mas só chega às empresas conforme etapas das obras são concluídas. Além de ser um capital que chega depois – cobre gastos já realizados –, é restrito à obra em si. Para o custeio de atividades como incorporação, documentação, lançamento, marketing e outras, empresas tinham de recorrer necessariamente, em troca de alguns milhões, ao ingresso de um sócio. Enquanto esse tipo de investidor posterga decisões por conta crise, o crowdfundig cresce como opção.
Apesar da remuneração paga aos cotistas da modalidade estar entre as mais elevadas do mercado hoje, ela representa um desembolso bem menor que incorporadoras teriam recorrendo às fontes tradicionais para custeio dessas etapas de seus projetos. Além de ser fonte de capital mais barato, o crowdfunding tem sido fundamental para que incorporadoras e construtoras possam, com obras já iniciadas, obter, num momento de retração do crédito, os financiamentos bancários necessários para a conclusão de seus projetos.
Outra alternativa que segue em linha com a tendência global de popularização do crédito coletivo é a comercialização de tokens – parcela virtual de um ativo validada por registros compartilhados em série por diversos computadores. Investimentos em imóveis já são viabilizados por grandes bancos brasileiros desta forma. Já o financiamento às obras via tokenização é área que começa a ser explorada por fintechs.
Mesmo na crise atual, alguns segmentos mantêm seu nível de atividade e, com a fixação da taxa de juros em seu patamar histórico mais baixo, aplicações em ativos da economia real passam a figurar entre as mais rentáveis. Se o momento não é favorável para grandes desembolsos, essas novas modalidades de crédito, ao possibilitarem excelente remuneração a partir de pequenos aportes, garantem a chegada de capital ao setor produtivo.
(*) – É diretora-executiva da Urbe.me.