Geraldo Paes Pessoa (*)
Passaremos por dificuldades, disso ninguém duvida, mas velhas mentiras não saem do imaginário.
É possível a redução de salários e empregos ser a única alternativa para enfrentar crises? Obviamente que não. Os salários dos trabalhadores representam a “tábua de salvação” do pouco que restou ou restará da economia brasileira. Cada incentivo do governo deveria vir junto com a exigência da manutenção de empregos, incremento de salários e partilha dos resultados.
Gosto da frase, partilha dos resultados, quem produz deve, em todas as situações, ser recompensado, seja o detentor do capital ou da força de trabalho. Porém, infelizmente, a recompensa, em tempos de “boas colheitas”, não fica com todos. Por outro lado, é recorrente lembrar dos trabalhadores para dividir os prejuízos. Não é à toa que, atualmente, o Brasil tem a segunda maior concentração de renda do mundo, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU (RDH), divulgado em 2019.
No ano de 2020, pelas propostas de ações na economia que andam circulando nas mídias, a pouca renda que restou com os mais pobres, tem tudo para ir para o “vinagre”. Quando mais precisamos dos serviços e dos servidores públicos, encontramos a máquina pública desmontada, falta de recursos nas universidades, escolas, o que representa falta de incentivo para pesquisas e para as demais áreas que tocam a vida das pessoas.
Em síntese, falta de servidores públicos nas áreas estratégicas (saúde, segurança, educação, fiscalização e arrecadação, etc…). É adequado reduzir onde o cidadão mais precisa do Estado? O Estado que queriam “anêmico” para não interferir ficou fraco para defender.
Não entendam errado, não está se defendendo Estado máximo ou mínimo, defende-se o Estado necessário para cada contexto. Em um momento histórico precisa-se de menos, em outro de mais.
Deveriam existir garantias que o Estado funcionasse prontamente às demandas sociais, o atual modelo, em processo de desmonte, por força dos valentes servidores públicos que restam, se esforça, mas não dará conta do que está por vir. Que todos devem, em algum grau, renunciar e se sacrificar, na medida de suas possibilidades, não duvide. Quem tem decência quer participar, doar-se para o bem de todos. E os indecentes?
Por que não questionamos a dívida pública? Voltar a tributar os lucros que não pagam imposto de renda? Tributar mais quem tem muito patrimônio? Instituir o imposto sobre grandes fortunas improdutivas? Instituir impostos sobre iates e aeronaves, por que só o carro paga imposto? E por aí vai…
Deve-se reduzir impostos, ninguém duvida, mas reduzir impostos dos mais pobres. Dos que pagam pouco ou nada seria necessário aumentar. A equação é simples, se reduzirmos dos mais pobres deveríamos aumentar dos mais ricos. Os serviços públicos precisam ser financiados por todos. Questiona-se sobre a qualidade dos serviços prestados, tem-se uma questão a ser resolvida no contexto da gestão. Parece o retrato de uma minoria. Postos de saúde, hospitais públicos, corpo de bombeiros, defesa das fronteiras, etc… a regra é doação em prol de todos.
O Brasil parece um “samba de uma nota só” (com todo respeito a grandiosa obra do poeta), só se fala em desempregar e reduzir salários, quando o emprego e os salários mantêm nossos pequenos empresários. É o consumo das famílias que ainda faz este país ficar de pé. O discurso começa a cansar e a sociedade, felizmente, está mais esclarecida.
Por que tanto medo da tributação sobre movimentações financeiras? Será por que o crime organizado se esconde nesta movimentação? Alguém tem que ajudar a pagar a conta. Se não querem mais tributo sobre quem já paga muito, é simples, façam uma tributação sobre movimentação financeira compensável. Quem paga imposto de renda ou previdência (a maioria dos brasileiros), deduz do que paga a sua CPMF, IPMF, IMF, ou outro nome que queiram dar. Só sobra aqueles que não pagam, não onera o setor produtivo e nem o trabalho.
Repito, nossos pequenos municípios vivem dos salários dos trabalhadores, quanto mais se tira das famílias, mais se concentra renda no país. Quanto tempo vai levar para que todos percebam que o caminho não é facilitar para quem acumula, e sim para quem solidariza e trabalha. Reduzir salários e empregos não poderia ser a única solução.
(*) – Mestre em Direito Constitucional; professor de Direito Tributário e Penal Unisul/SC; Analista-Tributário da Receita Federa; é Diretor de Formação e Relações Intersindicais do Sindireceita.