Fabio Deboni (*)
A crise provocada pelo novo coronavírus escancarou outras que já estavam colocadas, de origem climática, social e econômica.
Esta nova conjuntura provocou diversas reações. Por um lado, sociedade civil, empresas e organizações se envolveram numa engrenagem que promoveu recorde de arrecadação, superior a R$ 6 bilhões de acordo com o Monitor das Doações. Por outro lado, expôs a fragilidade das instituições que atuam na ponta, operando com quase nenhum tipo de apoio.
O modelo de atuação da filantropia ganhou musculatura, demonstrando agilidade para se mobilizar, encontrar respostas e promover ações. Curiosamente, notamos a importância do Estado neste momento. O que antes da pandemia não era um assunto em alta, partindo mais para uma direção de Estado mínimo, agora começa a tomar outros contornos. Um ator relevante nesta engrenagem foi o cidadão, que passou a se preocupar mais, apoiar grupos comunitários, negócios de impacto e empreendedores locais.
Além dos questionamentos gerados sobre o campo da filantropia, há também inquietações que pairam sobre o setor de impacto. A primeira delas é a agenda de negócios de impacto ter seu centro de gravidade nos investidores, o que joga para debaixo do tapete a discussão de um sistema econômico que acelera desigualdades e permite a grande concentração de recursos.
A segunda é que o campo dos negócios de impacto evita narrativas divergentes. Ainda é um ecossistema concentrado em alguns players e pouco aberto a novos entrantes que não necessariamente compartilhem do pressuposto de que noções de mercado são os melhores meios para enfrentar problemas socioambientais.
Mais do que isso, tenta não enxergar atores nas raízes de transformação social, como movimentos e cooperativas em geral. O MST, por exemplo, lançou com êxito uma iniciativa de financiamento da agricultura familiar. Mas são poucos os investidores dispostos a considerar este tipo de iniciativa em seus portfólios. Para resolver alguns destes obstáculos, é preciso que o próprio ecossistema se abra, relativizando sua concentração no Eixo Rio-São Paulo.
Abrir-se para a vida fora deste eixo, para de fato ser inclusivo e promover a regionalização da agenda de impacto, em busca da igualdade, é primordial. Um exemplo é o 1º Mapa de Empreendedorismo Sustentável da Grande Reserva Mata Atlântica, encabeçado pela Fundação Grupo Boticário, que busca identificar negócios de impacto positivo em 46 pequenos e médios municípios de São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
Mas, acima de tudo, é preciso que resolvamos a questão do financiamento social: quem vai financiar as organizações intermediárias? Porque graças a elas é que o campo dos negócios de impacto tem avanços na sua curta história, fomentando pipelines, apoiando empreendedores, gerando conhecimento e formando pessoas.
Historicamente, quem tem financiado o setor são majoritariamente governos e fundações, mas temos aqui no Brasil um cenário de grave crise fiscal e, no outro lado da mesa, a filantropia ainda entrando devagar, flertando com o tema. Talvez a filantropia ainda tenha dificuldade de enxergar o campo de negócios de impacto como parte da sociedade civil que também busca endereçar os desafios socioambientais que tanto nos assolam.
A crise do coronavírus trouxe a necessidade do ecossistema de negócios de impacto se reinventar em busca de modelos de financiamentos para organizações intermediárias e para aportar recursos à sua estruturação como um todo. Sem dúvida, o cenário pós-pandemia indica um quadro de dívidas, de burnout, de organizações socioambientais em fragilidade institucional.
Mas no horizonte estará a esperança de que novos modelos, mais inclusivos e menos dependentes de crises, possam ganhar força.
(*) – É membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, gerente executivo do Instituto Sabin e membro do conselho do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife).