Armando Luiz Rovai (*)
A morte é um enigma da vida. Fenômeno inevitável e incompreensível é a nossa única certeza
É verdade que a maior parte dos homens a temem, não sendo incomum que muitas pessoas nem mesmo queiram falar a respeito, deixando, inclusive, de tratar dos aspectos sucessórios e patrimoniais que a morte acarreta. Em termos empresariais, determinadas sociedades, por falta de preparo técnico na elaboração dos contratos sociais (na prática a maioria dos contratos societários não são elaborados por advogados) ou, simplesmente, por ausência de preocupação com o tema, possuem regras pouco claras e racionais para o caso de falecimento de algum de seus sócios.
Do ponto de vista legal, numa análise dogmática, o assunto é tratado pelo Código Civil, na Seção que dispõe acerca da Resolução da Sociedade em Relação a Um Sócio – art. 1.028 -, cujo dispositivo determina que no caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: se o contrato dispuser diferentemente ou, se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade. Há, ainda, pela regra, a possibilidade de, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.
Portanto, na hipótese de morte de sócio, três situações podem surgir: iliquidação das quotas do falecido, no caso do silêncio do contrato sobre questões sucessórias ou, disposição específica pela continuidade das atividades negociais apenas pelos remanescentes; ii) inserção dos herdeiros do falecido no quadro societário, no caso do contrato social assim prever e, finalmente, iii) continuidade dos negócios sociais com sócios remanescentes e os herdeiros do sócio falecido, no caso de acordo entre as partes.
São essas as regras e os procedimentos societários aplicáveis na ocorrência de falecimento de sócio, evidenciando-se que o instituto da liquidação de quotas é o instrumento mais célere e viável para a continuidade das atividades negociais. Contudo, para se dar eficácia e validade aos atos societários necessita-se efetuar a instrumentalização e regularização da sociedade perante do registro societário competente, através de alteração de contrato social. Exatamente aí que ocorre o problema!
A burocracia, a falta de conhecimento jurídico e a ausência de uniformidade avaliativa acerca do tema, junto aos órgãos incumbidos da execução do registro societário, impedem um desencadear tranquilo e transparente para obtenção da validade e publicidade do ato. Os órgãos registrários, habitualmente, em qualquer das três situações elencadas exigem o efetivo ingresso dos herdeiros no quadro societário, ainda que seja para cederem e transferirem suas quotas no mesmo instrumento societário; ainda que se tenha cláusula específica vedando a entrada de herdeiros na sociedade.
Não é raro, igualmente, que exijam alvará judicial ou formal de partilha, para situações onde não há tal necessidade legal. Quer dizer: na prática, ao arrepio da Lei e do contrato social, basta morrer um dos integrantes do quadro societário para que insira um carimbo de EXIGÊNCIA no ato de alteração contratual. Trata-se de um cenário inusitado e delirante, pois obriga que o sócio remanescente aceite os herdeiros que não quer na sociedade e obriga os herdeiros que não querem ser sócios a ingressarem no quadro social, contrariando, desta forma, a vontade de todos.
Não cabe aos órgãos de registro interferir em assuntos sucessórios, devendo tão somente obedecer a escolha e vontade dos sócios no momento em que fincaram suas bases contratuais. Bem, e se o caro leitor estiver com um problema similar ao que foi aqui descrito, tomo a liberdade de apresentar algumas alternativas que talvez solucionem a questão, assim vejamos:
1) demonstrar ao serventuário o erro da EXIGÊNCIA exarada, com base nos fundamentos legais, alguns deles aqui singelamente expostos; 2) persistindo o entendimento equivocado do órgão registrário, é de bom tom levar o assunto para as respectivas áreas de chefia, com cópia do expediente para as ouvidorias ou órgão correicional competente; por fim, não havendo solução administrativa; 3) a resposta estará na busca da Tutela Jurisdicional, através do remédio jurídico que melhor couber ao caso concreto, na maioria das vezes, a interposição de um Mandado de Segurança.
Minha experiência demonstra que as duas primeiras alternativas costumam dar bons resultados, contudo, não dá para deixar de consignar nosso lamento e desgosto com a excessiva e indesejada burocracia, outra inevitável certeza da vida dos brasileiros.
(*) – Doutor pela Puc/SP. Professor de Direito Comercial do Mackenzie e da Puc/SP. Ex-Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo por 04 mandatos ([email protected]).