Jayme Petra de Mello Neto (*)
Depois de várias rodadas de discussão, o Banco Central divulgou as diretrizes gerais para a criação de uma moeda digital brasileira.
O assunto tem despertado uma série de dúvidas e desconfianças, mas a pauta pode ser extremamente positiva para a economia do nosso país. O dinheiro, tal como conhecemos hoje, percorreu um longo caminho até aqui. O homem primitivo, na busca por satisfazer suas necessidades individuais, deu início ao escambo, que nada mais era do que a troca de mercadorias. Esse sistema durou séculos e acabou evoluindo para a criação de um padrão único para as trocas, como ocorreu com o sal, que inclusive deu origem à palavra salário.
Já no século VII a.C, foram criadas as moedas, que representavam valores cunhados em metal. O preço de cada mercadoria passou a ser estabelecido de acordo com um número específico de moedas que demarcavam a quantidade necessária para o pagamento de cada bem. Cada reino ou cidade-estado criou a sua própria, estampando o rosto de monarcas e mantendo um valor referencial com o Estado – que está lastreado com base na quantidade de barras de ouro que cada tesouro nacional tem.
Esse mecanismo se manteve praticamente intacto até agora, com a pequena variação que foi a introdução de cédulas-papel e os padrões de referência não mais no Tesouro Nacional, mas na Libra, no Dólar, até quando a tecnologia proporcionou o surgimento das criptomoedas – que, ao contrário do que muitos pensam, não são moedas, mas ativos digitais criados com base em algoritmos e recursos de programação. Esses criptoativos não existem fisicamente, como acontece com o papel-moeda. Baseada numa relação de confiança, a primeira criptomoeda foi o Bitcoin, minerada por Satoshi Nakamoto, pseudônimo de seu criador.
O objetivo foi lançar uma possibilidade de troca financeira descentralizada de instituições físicas e sem se submeter a regulações de um Governo. O avanço tecnológico por trás do criptoativo chamou a atenção dos Tesouros Nacionais, que começaram a vislumbrar a possibilidade de efetivamente introduzir uma moeda digital. A proposta agora é dar mais um passo na evolução do sistema financeiro mundial. O assunto vem avançando principalmente em países como a China, que já implementou sua própria moeda, e os Estados Unidos, que definiu um cronograma até 2025 para lançar sua versão de Dólar Digital.
Diferentemente dos criptoativos, as moedas digitais são controladas pelo Estado, ou seja, tem emissão soberana, poder liberatório das obrigações e circulação forçada, o que significa que ela deve se tornar a moeda recorrente do país, fazendo com que o Real como temos hoje, simplesmente deixe de existir para dar lugar ao Real Digital. Na prática, a desmaterialização da cédula de dinheiro por meio do chamado dinheiro de plástico, que são os cartões de crédito e débito, já existe e não representaria uma novidade absoluta.
A diferença é que a moeda digital e o criptoativo, como o Bitcoin, circulam em meio a uma rede (Blockchain) desregrada e sem referencial a um Tesouro, fazendo com que haja risco de quebra de confiança dos seus usuários por não terem um mínimo valor de troca efetivo para aqueles algoritmos. Com o Real Digital, o risco passa a ser do Banco Central, e o valor de troca fica potencialmente referenciado ao Tesouro Nacional Brasileiro.
A proposta inclui muitos benefícios, mas também alguns desafios. O mais favorável deles é impacto no comércio internacional. A proposta do Banco Central é que a novidade permita a interoperabilidade e integração, com o objetivo de que ela possa ser utilizada em pagamentos transfronteiriços. Entretanto, ainda não há certeza sobre a paridade das taxas de câmbio. Mesmo assim, a facilidade da operação pode beneficiar muito um país com vocação exportadora como o Brasil.
Além disso, a moeda digital é rastreável, reduzindo as possibilidades de se fazer lavagem de dinheiro. Outra vantagem é que o papel-moeda também é bastante caro, já que a impressão de cédulas e de metais tem um custo alto à União, que simplesmente deixaria de existir com a nova modalidade. Isso sem falar na redução de assaltos a bancos e comércios, que ainda são alvos constantes de criminosos.
Por outro lado, o grande desafio está na operacionalização da nova moeda. O Banco Central ainda não tem todas as respostas. Por mais que o celular seja um equipamento bastante difundido em nosso país, é inegável que a população menos favorecida ainda não tem um fácil acesso a esses aparelhos ou à infraestrutura correlata. Fazer a inclusão dessas pessoas a um sistema financeiro digital não parece uma equação muito simples de se resolver.
Apesar das discussões estarem avançando, ainda não é possível prever quando teremos o Real Digital. O Banco Central promete ouvir a sociedade por meio de uma série de seminários e eventuais audiências públicas. Essa etapa deve durar aproximadamente dois ou três meses. Se tudo caminhar conforme o planejado, o novo sistema financeiro deve entrar em vigor dentro de dois a três anos.
A expectativa é para que os desafios operacionais sejam superados e o país efetivamente se beneficie de uma moeda mais segura e menos burocrática.
(*) – É advogado do escritório Marcos Martins Advogados atuando em Direito Civil e Empresarial (www.marcosmartins.adv.br).