Amadeu Garrido de Paula (*)
A grande aldeia tropical arde em chamas. Parâmetros éticos, qual a de ver o semelhante como fim, não como meio, instrumento de nossas vilezas, desapareceram
Nossos vermes se estrebucham nas brasas. Estas são tidas como metafísicas. Desculpas de todos os infames. Nada e todos se justificam. Uma crise grave, para uma personalidade fortuita destes tristes trópicos, foi não mais que analogia grosseira e falsa de ondas mansas dos mares. Projeto de poder tomou o lugar das utopias da esquerda. Mentir deslavadamente em política dá votos. Nas famílias, não raro, divórcios.
A vida pública é a vil compensação dos sacrifícios da vida privada. Claro, não para todos. As exceções, todavia, são raras como os poetas. Estes, há tempos, desistiram dos versos engajados. Foi-se a certeza da frente e a história escorregou pelos dedos. Tornaram-se refúgio literário. Meio de sobreviver nessa floresta de bichos fágicos das próprias mães.
O Brasil perece ao pagar o preço dos anjos do bem. Os petistas de antanho, os que formaram a religião política da redenção. “Nós, do PT”. O diabo são os outros. Tudo é simples. Só faltam vontade política e vergonha na cara. Simples assim, camarada. O poder nas mãos virou batata quente. Não se administra este país – e nenhum – com bravatas. Pagamos o preço de deixar a cobra crescer. De nossa omissão. De não os termos desmistificado a tempo. De fazer valer que política é engenho, arte e, mais do que tudo, ciência.
Os camaradas falam dos projetos sociais. Em sua usual megalomania, os maiores e melhores da história. Assistencialismo da chantagem. A estabilidade da moeda, esta, sim, a melhor arquitetura social, que impediu a corrosão diária dos salários, não pode ser lembrada. Os iluminados foram contrários. O Estado tinha de inchar, para abrigar todos os “nós, do PT”. Ninguém é de ferro e política se faz no embalo do Estado. Ministérios, o dobro do necessário.
Não sei, dizem que os mares brasileiros são pobres de peixes. Mas há um Ministério para abrigar os bagres da noite. Estado mínimo é heresia. Estado é para ser reverenciado. Sirva-o ao homem, não ele ao homem. A principal causa da queda do socialismo real. Ninguém mais fala em neoliberalismo. Saiu de moda? O ministro Levy propõe ideias neoliberais? Nem pensar, dê-se-lhes outro nome. Coragem? Também é démodé. Tiram, poem e deixam ficar, guerreiros com guerreios fazem zigue, zigue, zá.
O Brasil é uma roda gigante que gira num brejo. E daí? Dilma e Lula não se lambuzaram de óleo para anunciar a felicidade de todos os brasileiros? Patriotismo, esta palavra surrada, própria dos reacionários. Interessam, apenas, a sobrevivência pessoal e do grupo, iluminados. A tempestade perfeita – a que ensombrece o norte, o sul, o leste e o oeste, cai sobre nossas cabeças. Qual tribo primitiva, apelamos aos deuses, na forma de panelas e buzinas. Elas têm suas funções, como nos primórdios.
Há futuro. Não haverá, porém, se não mudarmos o centro das decisões políticas. A democracia plena e aperfeiçoada em seus limites extremos – nunca a tivemos – nos fornecem os meios. Não precisamos de ditaduras nojentas, precisamos de mais liberdade e aperfeiçoamento dos direitos públicos, que nos levem a necessárias transformações. O homem é o animal mais adaptável às agruras da natureza e sua inteligência o redime, sejam quais forem as circunstâncias.
Esse princípio nos move a continuar a ler, escrever, a ir às ruas e a escapar do triste ramerrão pelas brenhas dos poemas. A não deixar que vilões nos enganem com discursos hipócritas, corruptos que roubaram, em primeiro lugar, os ideais da esquerda que não titubeava em dar suas vidas por um mundo que supunha melhor.
(*) – É advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho.