Marilyn Hahn (*)
O ano de 2023 chegou ao fim num piscar de olhos e entregou exatamente o que prometeu para o setor de fintechs: um cenário desafiador, em que poucos cresceram, alguns se consolidaram e o mais do mesmo, não sobreviveu.
Vimos de forma gradual a retomada dos investimentos em startups, poucos grandes cheques e muitos M&As. Pude acompanhar uma série de empresas reformulando posicionamento e estratégia para se adequar à nova realidade regulatória e macroeconômica.
Para 2024, o contexto parece mais otimista, dado ainda a agenda de redução da taxa de juros. Por outro lado, após anos favorecendo a entrada de novas empresas e modelos de negócio, o mercado agora realiza um movimento de consolidação e uma tendência maior de parcerias estratégicas entre fintechs e incumbentes.
Mais serviços para empresas
A pessoa física parece ser um público já bem atendido em termos de serviços financeiros no Brasil. A saída da alemã N26 do segmento este ano provou que a situação está bem mais competitiva, e é difícil conseguir nesse estágio a tão sonhada principalidade do cliente, competindo com empresas já consolidadas como Nubank, Picpay, Inter, entre outras.
A diminuição da taxa de intercâmbio no cartão pré-pago, produto chefe na entrada de novas fintechs, e a dificuldade de monetizar produtos transacionais como, por exemplo, o PIX, fez com que muitos mudassem suas estratégias para alcançar um público PJ que ainda hoje é mal atendido no geral. O Open Finance deve ajudar essas fintechs a coletarem dados relevantes antes não tão acessíveis para melhor estratégia de penetração e distribuição de outros produtos, como microcréditos, seguros e até automações financeiras que possam facilitar o dia a dia do pequeno empreendedor.
Além disso, a agenda do PIX deve começar a trazer outras funcionalidades antes só encontradas em produtos mais caros, como o boleto e as maquininhas, diminuindo custos operacionais e deixando os negócios mais ágeis e performáticos.
Consolidação e parcerias estratégicas
Outros mercados também devem sofrer uma consolidação no próximo ano. Entre eles o de Banking as a Service, que já se mostra saturado e observa grandes players tomando o protagonismo do setor. Grandes bancos se movimentaram em 2023 para entrar no jogo, seja via estrutura própria ou adquirindo fintechs, como foi o caso da aquisição do Bankly pelo Banco BV e da Aarin pelo Bradesco, em 2022.
A tendência do embedded finance continua em forte crescimento, ainda existe um espaço grande a ser ocupado por outros produtos desse ecossistema, como o Investment as a Service, Credit as a Service e Insurance as a Service.
Foco na segurança
Enquanto as tecnologias evoluem, as ameaças cibernéticas também acompanham o mesmo passo. Por isso, as empresas têm investido cada vez mais em segurança para garantir que sua operação e seus usuários estejam protegidos. Segundo pesquisa da Deloitte, este ano 70% das companhias tinham como objetivo aumentar os investimentos em segurança, e isso não deve ser diferente em 2024.
O crescimento de fraudes tem feito com que as fintechs também gastem mais tempo não só educando melhor os usuários, mas também elaborando ações criativas que abrangem o tema de forma mais sistêmica como, por exemplo, o Alô Protegido e o Modo Rua, novas funções de segurança do Nubank que visam apoiar o cliente em relação a ligações falsas e golpistas, permitindo limitar de forma autônoma o número de transações de PIX no aplicativo.
A contratação de ferramentas, empresas especializadas e recursos demandam altos investimentos para as fintechs, o que reforça a necessidade de capital para se manter no mercado já no early stage.
IA e machine learning
A ordem da vez é a tão buscada principalidade do usuário como já comentei acima, que nada mais é do que deter a maior parte da vida financeira do cliente em um só lugar. Tecnologias de inteligência artificial (IA) e machine learning podem ajudar em análises preditivas, trazendo maior customização de serviços e coletando feedbacks em tempo real e promover automação no atendimento e na própria análise de crédito, tornando essas etapas mais ágeis e eficientes.
Além disso, essas ferramentas podem apoiar na detecção de fraudes e automação de processos por meio do reconhecimento veloz de padrões de comportamento.
Uma pesquisa da Grand View Research estima que o tamanho do mercado global de inteligência artificial no ecossistema fintech atinja US$ 41,16 bilhões até 2030, crescendo a um ritmo anual médio de 16,5%.
Desafios para a agenda de crédito
O Itaú divulgou no último mês que há uma expectativa do país continuar crescendo em 2024, porém em passos mais lentos, com uma taxa de juros próxima aos 10%. O maior banco do país também acredita que podemos verificar uma retomada na agenda de crédito de forma gradual, principalmente no segundo semestre.
Dessa forma, é possível alcançar um aumento na procura por fintechs de crédito, principalmente as relacionadas em prestação de serviços de infraestrutura, que podem viabilizar a chegada rápida de produtos no mercado para públicos específicos.
Agenda regulatória continua aquecida
A agenda de competitividade do Banco Central continua a todo vapor com o cronograma de lançamento do Drex. O Bacen já anunciou que ele não será a última peça no seu cronograma de inovação, mas será fundamental para a sua consolidação.
A expectativa é que o Drex chegue aos usuários no final de 2024 ou início de 2025, o que tem feito com que, principalmente grandes bancos, foquem investimentos em times e tecnologias especializadas. A plataforma de blockchain, que acompanha a nova moeda, impulsiona o setor de ativos digitais. Estes vem sendo movimentados por um novo perfil de investidores que só cresce no país.
A alta de soluções de tokenização e moedas digitais, além da consolidação da API Economy, tem permitido maior digitalização de setores tradicionais da economia, como o de facilities, agro e saúde.
Sendo assim, apesar dos investimentos de grandes bancos nas novas tecnologias, devemos observar nos próximos anos o surgimento de um novo perfil de fintechs voltado à consolidação desses novos modelos de negócio.
(Fonte: Marilyn Hahn é CRO e cofundadora do Bankly).