Alexandre Damasio Coelho (*)
Dados, dados e mais dados. E sabe o que acontece quando não há dados? Especulação.
Só depois do Decreto 7053/2009 o Estado se fez obrigado em criar políticas para os moradores de rua, inclusive quantificando-os. Duvido que eles, os moradores de rua, queiram saber quantos são, mas quem paga a conta quer. Quem se beneficia dessa população e da mão de obra que ela significa quer-lhes contados e demarcados e, garanto: existe um mercado que precisa dessa população de rua. São ONG, igrejas, empresas, fornecedores; há um universo de interesses envolvidos.
O morador de rua é um produto da cidade, é um produto da ineficiência das políticas de repressão de drogas, é a materialização do Estado desigual e atualmente é a mão de obra mais politicamente correta que os políticos criaram: catador de papelão virou agente ecológico, reciclagem de lixo, virou bote de salvação. Moradores de Rua são um índice visível e uma demonstração palpável da salvação apregoada nas Igrejas. A necessidade do Estado provê-los de mecanismos iniciais para a reinserção social, impõe inúmeros fornecedores para os abrigos e para os programas sociais, são desde assistentes sociais até colchões, há ainda alimentação e higiene.
Essa População em Situação de Rua também alimenta discursos políticos, há os de
ódio, atrelando-os a violência e ao crime e há os humanísticos, em defesa das minorias, que os vitimizam. Incontáveis são os instrumentos legais de inserção econômica de população de rua. Temos o Decreto 7053/2009, temos uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, temos uma Lei de Saneamento Básico. Aplicamos a logística reversa para termos menos culpa do consumo excessivo que polui o planeta, e lhes assistimos com paliativos de cidadania, entregando ao morador de rua, o lixo.
Mas ora porquê, mesmo com as políticas assistencialistas a população de rua aumenta? Como o IBGE não divulgou os dados atualizados desse contingente populacional temos que limitar a análise ao Censo FIPE de População em Situação de Rua colhido na cidade de São Paulo no ano 2015. Assim podemos afirmar que só na cidade de São Paulo existem mais de 15.000 pessoas morando da rua ou frequentando abrigos e desse universo a maioria são homens com idade média de 40 anos e renda semanal entre quarenta e oitenta reais.
Nesse universo, usando dados de 2008 da Secretaria dos Direitos Humanos, 25% não tem documentos e quase 70% nunca votou. Essa é uma população que não é atingida pelos programas sociais como o Bolsa Família, tão pouco possui aposentadoria. Essa população de rua sem políticas de produção de renda eficaz custa aos cofres públicos muito dinheiro e concluo seu aumento com três fatores importantes: o primeiro deles é a hereditariedade – há famílias inteiras criadas em situação de rua e essas famílias estão na sua terceira geração, é uma população a parte que não aceita a reinserção por que nunca foi inserida na sociedade.
Outro aspecto é a ineficiência e a classificação das substâncias, a tolerância criminal e social ao uso do álcool, a popularização e o barateamento das drogas, a ausência de um combate efetivo da circulação dessas substâncias são fatores de permanência e arrastamento à situação de rua. Mais endêmico que os outros fatores citados é a situação econômica e o Estado Social: desde a democratização muitos foram os deveres obrigados ao Estado entre eles um permanente dever de prover. Somos uma sociedade que não divide obrigações, que não cria oportunidades exclusivas da sociedade civil.
Todas políticas para a população em situação de rua são governamentais e, enquanto isso nós apenas continuamos apontando o mendigo.
(*) – É advogado, especialista em Direito Público , mestrando em Gestão Pública pela Universidade Federal do ABC, pesquisador do Instituto Solução Pública para o Diagnóstico de Políticas Inovadoras.