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Direito essencial do sócio ao lucro

em Opinião
quinta-feira, 31 de março de 2016

Sidney Gomes (*) e Lucas Garcia de Moura Gavião (**)

Toda sociedade empresária, incluindo as sociedades anônimas e as limitadas, deve ter fim lucrativo.

O lucro é o objetivo que leva pessoas a se reunirem, a colaborarem, a investirem e a participarem de uma sociedade. Como reflexo, a lei consagra o direito essencial do sócio ao lucro, o qual não pode ser afastado pelos outros sócios, mesmo em maioria, nem pela sociedade, tampouco pelos estatutos e contratos sociais. O direito do sócio ao lucro se concretiza com a apuração e a distribuição do resultado da sociedade. Cabe, então, entender o que seria o “resultado do período”, objeto de distribuição aos sócios. Em primeiro lugar, lucro e receita não são a mesma coisa. A receita, em conjunto com as despesas e os custos, irão apresentar o lucro líquido do período.

Realmente, o patrimônio líquido da sociedade é formado pelo grupo de contas que registram o valor contábil pertencente aos acionistas ou quotistas, e decorre da diferença entre ativos (bens + direitos) e passivos (obrigações). Da confrontação entre o valor final dos aumentos do patrimônio líquido (usualmente denominadas “receitas”) e de suas diminuições (normalmente chamadas de “despesas” ou “custos”), emerge o conceito de “resultado do período”: positivo, se as receitas forem maiores do que as despesas, ou negativo, quando ocorrer o contrário. Este resultado ou lucro líquido é o valor que deverá ser distribuído para os sócios.

É importante observar que a as informações contábeis são apuradas pela sociedade por regime de competência, ou seja, receitas, custos e despesas são reconhecidos contabilmente (e, consequentemente, escriturados em seus livros contábeis) pelo seu fato gerador, independente da data do recebimento ou pagamento de valores (saída ou entrada em caixa). Por exemplo, uma entidade pode apresentar uma receita de vendas em um certo período de R$ 100.000,00 e, no entanto, não ter na mesma data, em sua conta bancária, os valores decorrentes dessa venda. É o caso de uma venda a prazo. Logo, segundo o princípio da competência, o valor de R$ 100.000,00 será considerado como apuração do resultado, e não o valor existente no caixa decorrente desta operação de venda.

Do montante de lucro líquido apurado, parte pode ainda vir a ser destinada a reservas de lucros, conforme disciplinado nas companhias pela Lei das Sociedades Anônimas. A lei estabelece que devem ser justificadas a retenção do lucro e a utilização das reservas, notadamente das reservas estatutárias e para contingências, na medida em que reduzem a base de cálculo dos dividendos. Todo o lucro que não tenha sido validamente destinado deverá ser distribuído aos acionistas. Retenções de lucro abusivas e sem justificativa adequada podem ser submetidas pelos prejudicados ao Poder Judiciário, que poderá anular a deliberação, inclusive nos casos em que não houve demonstração da efetiva necessidade da reserva ou da retenção.

O direito essencial ao lucro está garantido, ainda, pela obrigação legal da companhia de pagar aos acionistas o dividendo mínimo obrigatório. Referida norma, prevista na Lei das Sociedades Anônimas, estabelece um limite mínimo, um piso, no que se refere ao pagamento de dividendos, limitando a discricionariedade da administração e dos acionistas na destinação do resultado. O dividendo mínimo obrigatório deve equivaler a 50% do lucro líquido do exercício, no caso de o estatuto não fixá-lo. Se introduzida a previsão em estatuto omisso, o dividendo mínimo obrigatório não pode ser inferior a 25% do lucro líquido.

As regras que disciplinam o dividendo mínimo obrigatório devem ser aplicadas em sociedades limitadas, quando o contrato social estabelecer a sua regência supletiva pela Lei das Sociedades Anônimas. Se assim o for e, ainda, omisso o contrato social acerca do percentual, tem o sócio o direito de participar da divisão de, no mínimo, 50% do lucro líquido apurado em determinado exercício social.

A propósito, não é lícito que a companhia e seus controladores tentem transformar o dividendo mínimo obrigatório em espécie de “dividendo máximo possível”, situação que frequentemente se encontra. Os Tribunais já decidiram casos em que o dividendo obrigatório, criado para proteger o acionista minoritário, foi abusivamente utilizado para prejudicá-lo, sendo empregado como um limite máximo – e não mínimo – dos dividendos. Companhias que, exercício após exercício, distribuem apenas o dividendo obrigatório podem estar desvirtuando o instituto e lesando acionistas, que dispõem de mecanismos legais para fiscalizar a apuração e destinação do lucro e, se for mesmo o caso, procurar coibir eventual prática abusiva.

Mesmo nesta brevíssima exposição, é nítida a forma minuciosa em que são regulados aspectos relevantes desta matéria. Como todo direito subjetivo, sobretudo que se mostra tão complexo, o direito essencial do sócio ao lucro está sujeito a conflitos. Sempre que violado o comportamento prescrito em lei em relação à distribuição do lucro, pode o acionista ou quotista pleitear a intervenção do Poder Judiciário para composição do litígio.

(*) – É Diretor Associado da FTI Consulting;

(**) – É advogado sócio de Lilla, Huck, Otranto, Camargo Advogados.