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Como o Linkedin passou de mocinho a vilão do mercado de trabalho

em Opinião
segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Renan Cola (*)

Reza a lenda que o LinkedIn, rede social destinada a conectar profissionais mundo a fora, esteja em plena ascensão mercadológica.

Somente no Brasil, em 2018, cerca de 45 milhões de pessoas são usuárias ativas na plataforma, colocando o país em terceiro lugar no ranking global no que diz respeito à expressividade das publicações e compartilhamento de conteúdo. Entretanto, com tanta gente pregando versículos ao vento, será que tamanha usabilidade é bem vista pelo mercado de trabalho?

Em recente estudo desenvolvido pelo doutor em psicologia da Universidade de Tilburg, na Holanda, Niels van De Ven, e publicado pela revista Psychology Today, 92% das empresas já recorrem ao canal online para avaliar o perfil psicológico dos candidatos.

O resultado não poderia ser pior. Cerca de 40% das pessoas investigadas não apresentam traços de estabilidade emocional, 50% não detêm consciência plena sobre os conteúdos que disseminam online, assim como 60% não atingiram indicadores mínimos de agradabilidade afetiva frente à sociedade. Trocando em miúdos, as pessoas estão alienadas em si mesmas.

De acordo com o especialista, este fenômeno ocorre devido à fixação de afeto que os indivíduos da contemporaneidade possuem na etapa do narcisismo. É neste período do desenvolvimento psicossexual do bebê que há uma concentração energética em torno do próprio eu, resultando na unificação das partes psíquicas rumo ao desenvolvimento mental.

Metaforicamente falando, é como se o psiquismo imprimisse a sentença linguageira: “preciso juntar as minhas partes dispersas para que, assim, eu consiga formar uma estrutura unificada com força e capacidade suficientes para direcionar ao outro as minhas aspirações emocionais. Caso contrário, ficarei preso neste universo despedaçado, clamando por outrem para existir”.

Para van De Ven, a criança que sofreu algum trauma narcísico se transforma no adulto sem identidade que precisa que o afeto continue sendo consumado autoeroticamente sempre que há uma frustração à espreita. Isto é: quando não conseguem o que querem, voltam a ser bebês que mamam o próprio dedo, fantasiando que a mamãe e ele são uma só divindade.

E na prática? Como este comportamento se traduz? Em primeiro lugar, o bem-aventurado narcisista, que está desempregado, faz do LinkedIn a hora do Dízimo. É aquele usuário que comenta em todas as publicações de terceiros na expectativa de que o outro venha e, por obra milagrosa, oferte olhares, elogios e mensagens motivacionais às suas chagas psicóticas.

E o que dizer daqueles que padecem do Corpo de Cristo, mas que divulgam vagas de emprego insistentemente para os outros usuários? Se o narcisista ainda não nasceu enquanto sujeito, orar pelo irmão nada mais é do que um mecanismo refratário que, por identificação projetiva, tentará ressuscitar, do lado de fora, o filho do Criador que talvez nunca tenha existido.

Pregar a Multiplicação dos Pães para os discípulos já funcionou uma vez. Porém, e quando um colaborador exibe a forma como alimentou uma multidão com cinco pães e dois peixinhos? Desconfie. Fazer dos próprios feitos uma profetização da iluminação profissional é uma forma de, inconscientemente, solapar as inseguranças e os medos de uma personalidade fraquejante.

Publicações pobres em termos de conteúdo técnico da área em questão, mas com muitas curtidas e comentários? É hora de ligar o alerta vermelho. Profissionais maduros emocionalmente sabem que serão elevados ao céu pelo resultado do que entregam aos contratantes, e não pela quantidade de fiéis que arrastam pelas terras áridas da Galileia.

Para fechar esta novena comportamental, Pais Nossos e Aves Marias podem não ser suficientes quando o assunto são as selfies postadas na rede. Afinal, se toda água fosse vinho, o que existiria por aí seriam trabalhadores empenhados em fazer do labor uma verdadeira forma de santificação. Mas, enquanto isso não acontece, ovacionemos os carentes de atenção.

(*) – É psicanalista da É Freud, Viu?