João Carlos Marchesan (*)
De acordo a sabedoria popular, há males que vem para o bem.
No caso da pandemia é difícil encontrar algo que possa validar este ditado mas, procurando com afinco, podemos acabar achando alguma coisa que o confirme. A crise sanitária desnudou as deficiências brasileiras para o enfrentamento desta epidemia. O país demonstrou não estar preparado, e esta é a lição a ser aprendida. O SUS, nosso sistema de saúde, até que se portou razoavelmente bem, acima, até, das expectativas médias.
Enfrentou bravamente uma doença desconhecida, e somente entrou em colapso e, assim mesmo, por um breve período, por motivos que não são de sua responsabilidade direta. Na verdade, as falhas foram causadas muito mais pelo histórico de baixos investimentos públicos em equipamentos e produtos, o que causou, desde a falta de máscaras e de roupas de proteção individual, até a falta de oxigênio, respiradores, remédios para intubação, e leitos equipados para o apoio à vida dos pacientes.
Também ficou patente, durante o pico da primeira e, mesmo da segunda onda da Covid, a falta de capacidade produtiva de nossa indústria de equipamentos e de insumos farmacêuticos incapaz de reduzir nossa dependência de fornecedores externos, fato que se refletiu na escassez de equipamentos e produtos farmacêuticos e no forte aumento de seus preços. A incapacidade brasileira de produzir vacinas sem o fornecimento, chinês ou indiano, de insumos farmacêuticos básicos é, de certo modo, chocante.
Esta escassez, entretanto, não se limitou à área da saúde. A recuperação rápida da indústria, a partir do segundo semestre do ano passado, esbarrou na desorganização das cadeias produtivas mundiais e no insuficiente fornecimento local. Faltou de tudo, nas cadeias produtivas, desde matérias primas e insumos básicos como o aço, até componentes sofisticados, como circuitos impressos, o que acabou afetando a produção de diversas indústrias, aí incluídas algumas montadoras de veículos.
A bem da verdade, esta escassez ocorreu a nível mundial, o que consolidou um rally de preços nas principais commodities e nem produtos intermediários, algo que somente agora dá sinais de acomodação ainda que os preços permaneçam num patamar bem mais elevado do que na pré-pandemia. Voltando à tese inicial de que há males que vem para o bem, podemos dizer que um legado bom da pandemia foi a confirmação de que o Brasil precisa mudar uma série de coisas em seu modelo econômico.
Algo que ficou muito claro durante esta crise, e a demonstração não ficou restrita ao Brasil, é que o Estado tem um papel fundamental na vida econômica de um país. Ele não deve ser relegado à função de mero espectador, enquanto o mercado resolve os problemas. Em todos os lugares, durante a crise, foi o Estado quem garantiu a continuidade dos empregos e das empresas, quem assegurou uma renda mínima aos mais necessitados e quem forneceu os investimentos necessários para a retomada do crescimento econômico.
Foi novamente o Estado quem, nos países desenvolvidos, propiciou a quase totalidade dos recursos necessários ao desenvolvimento das vacinas permitindo a resposta rápida da indústria farmacêutica. A lição da importância do Estado foi aprendida pela maioria dos países. O governo Biden, nos EUA, recuperou, depois de quatro décadas de predomínio do mercado, o Estado como indutor do desenvolvimento através de um ambicioso programa de recuperação de empregos e de investimentos públicos em educação e infraestrutura.
O exemplo americano, ainda que em menor grau, foi acompanhado pelos países da União Europeia e pela maioria dos demais países que compõe a OCDE. Há, no mundo todo, um renascimento das políticas públicas de desenvolvimento e até de políticas industriais, tema que ficou banido durante as últimas quatro décadas. O modelo de desenvolvimento chinês, apesar de sua estrutura autocrática, tem sido citado recorrentemente como exemplo.
O Brasil, entretanto, parece não ter aprendido nada com a crise da pandemia.
Nós continuamos com a mesma agenda das intermináveis reformas, apesar de que, cada reforma aprovada, não tenha, na prática, mudado nada de essencial no “status quo” vigente. O governo, o setor financeiro e boa parte do setor produtivo continuam acreditando que o mercado, a livre concorrência e a abertura comercial irão resolver o desemprego, a extrema pobreza, a fome e a péssima qualidade da educação.
A crença, aqui, continua sendo a de que o Estado atrapalha e a desigualdade de renda é vista mais como uma questão de meritocracia. Acreditam que o atual modelo será suficiente para garantir um mínimo de segurança industrial na produção de insumos farmacêuticos básicos, de equipamentos hospitalares, de vacinas e de componentes industriais.
Vamos torcer.
(*) – É administrador de empresas, empresário e presidente do Conselho de Administração da ABIMAQ.