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As singularidades brasileiras do histórico crescimento do e-commerce

em Opinião
quarta-feira, 04 de novembro de 2020

Bruno Noale (*)

A aceleração do uso do modelo de compras online é um fenômeno cultural que ignorou fronteiras.

As medidas de confinamento e restrição de circulação de pessoas impostas pela pandemia fez disparar as vendas dos e-commerces em todo o planeta, fidelizando usuários já acostumados com o botão ‘confirmar a compra’ e cativando novas pessoas, que ainda tinham receios por falta de confiança, ou por não estarem familiarizadas com o uso de plataformas tecnológicas.

Mas embora a ampliação tenha sido global, seria leviano buscarmos quesitos de comparação de outros mercados com a realidade brasileira. Evidente que estamos de olho em tendências e no que as economias avançadas estão fazendo, principalmente com relação à transformação digital. Hoje, boa parte das empresas já entendem a importância de estar online e se movimentam para estabelecer suas marcas na internet.

Porém, o Brasil tem algumas peculiaridades que nos diferenciam e impossibilitam um comparativo homogêneo. A principal delas, tem viés social. A edição 2019 da TIC Domicílios – um dos principais levantamentos sobre acesso às tecnologias da informação e comunicação – mostra que apenas 58% dos brasileiros já utilizaram um computador e que 28% da população ainda não tem acesso à internet em suas residências. Nos Estados Unidos, a conexão está presente na vida de mais de 90% da população.

A corrida pela supremacia tecnológica tem impulsionado o comércio eletrônico em nações como China e Estados Unidos, onde gigantes como Alibaba e Amazon assistiram ao crescimento exponencial de suas ações, surpreendendo como um dos poucos cases positivos em um cenário de pandemia. Embora ainda estejamos carentes de investimentos na ampliação ao acesso a computadores, a começar pela disponibilidade em escolas públicas – um imenso desafio de nosso sistema educacional – estamos entre os maiores usuários de redes sociais no mundo.

É um contraste interessante, que aliado a outros fatores culturais e estruturais, ajuda a entender o recorde registrado no Brasil no primeiro semestre de 2020, que movimentou R$ 38 bilhões. Imagine se tivéssemos as mesmas condições de acesso que desfrutam norte-americanos e europeus? O comércio online teve crescimento no Brasil de 57% no volume de pedidos entre abril e junho e 70% no faturamento. Houve ainda aumento de 68% nas compras durante o período de Dia das Mães e a Black Friday, no radar, será, certamente, histórica.

Dados como esses só reforçam o fato que o isolamento provocou grandes transformações comportamentais em nossa sociedade e que esse movimento é uma tendência que veio para ficar. Muita gente estava acostumada a usar a internet com uma finalidade puramente social, como navegar por redes sociais e aplicativos de mensagens. Ainda existe certa resistência a processos que envolvam pontos sensíveis de informação, como fazer transações bancárias ou fornecer informações financeiras.

Essa ainda é uma barreira que separa o consumidor do e-commerce. Porém, a pandemia forçou certas mudanças de comportamento e quebras de paradigmas e é por isso que no primeiro semestre deste ano o país registrou o maior aumento dos últimos 20 anos. Agora que esse tabu foi desfeito, será cada vez mais comum vermos pessoas navegando pelo varejo online. Um levantamento do Instituto Locomotiva mostra que 50% dos frequentadores de livrarias e papelarias que foram entrevistados já não farão questão de ir até as lojas físicas após a normalização completa do comércio.

Essa porcentagem é seguida de perto por frequentadores de setores como infantil, perfumaria, petshop e lojas de departamentos. Ainda de acordo com dados do Instituto Locomotiva, 10% da população comprou pela primeira vez online. O estudo mostra também que 45% dos que já compravam passaram a comprar mais.

Os números são animadores mas há ainda muitos desafios em todas as etapas da cadeia para tornar o comércio online a primeira opção do cliente. Isso vai desde a universalização do acesso à internet (questões sociais) até a reformulação dos e-commerces, com processos mais seguros, de fácil usabilidade e com atendimento ágil. A logística, claro, também é parte fundamental nisso e o seu papel na fidelização do cliente é extremamente relevante.

No início da pandemia aguardávamos uma estabilidade, movida pelo equilíbrio entre o aumento da troca do off para o on, com uma queda do consumo com a retração econômica, movido por um pavor de incertezas que contagiava o mundo todo. Porém, boa parte do mercado brasileiro foi surpreendido com crescimentos na casa dos três dígitos e o e-commerce confirmou sua vocação de se transformar em protagonista na rotina de compra das pessoas.

Com a superação de algumas barreiras culturais e estruturais não há motivos para o Brasil não alcançar patamares tão altos quanto o de outros países. Temos criatividade e perseverança para desenvolvermos soluções tecnológicas que fortalecerão os pilares de segurança e profissionalismo que o mercado exige. A bússola jamais esteve tão bem ajustada.

(*) – É vice-presidente Comercial e de Operações e CCO da Mandaê (www.mandae.com.br).