Zulmir Ivânio Breda (*)
Importante marco regulatório da contabilidade pública brasileira, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) completou 20 anos de vigência no em maio.
Esse fato nos leva a refletir sobre sua importância histórica durante essas duas décadas, desde aquele Brasil da virada do século, com sua luta contra o desarranjo das contas públicas, à atual flexibilização da aplicação da Lei, diante do quadro de grave crise econômica provocada pela pandemia de Covid-19. A Lei foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo então presidente Fernando Henrique, com a finalidade de substituir um desarranjo fiscal por um novo modelo de finanças públicas.
Especialistas na área afirmam que a LRF representou um “ponto de inflexão” no desequilíbrio das finanças públicas no Brasil. Durante o ato de sanção da LRF, Fernando Henrique disse que a nova Lei representava uma “mudança de mentalidade, de práticas e de valores” e que ela era “um sinal de novos tempos”. Mas, passados 20 anos, há quem diga que o Brasil ainda não conseguiu consolidar totalmente a importância da responsabilidade fiscal entre os gestores públicos.
Controvérsias à parte, o fato é que são vários e inegáveis os avanços trazidos pela LRF no sentido de disciplinar a gestão dos recursos e de limitar a ação dos gestores; de dar transparência à sociedade sobre os assuntos fiscais da administração pública, por meio da emissão de relatórios e da divulgação anual das contas; e de estimular o controle social do orçamento público em seus vários níveis.
A defesa dos cidadãos, inclusive, está na base do que poderíamos chamar de cultura da responsabilidade fiscal, que se caracteriza pela adoção de práticas, por parte da administração pública, que busquem a solidez, o equilíbrio e a sustentabilidade das contas públicas, com ações planejadas e transparentes e ampla publicidade dos atos ligados à arrecadação de receitas e à realização de despesas.
A LRF atribuiu novas funções à contabilidade pública, conferindo-lhe um caráter mais gerencial, com o controle orçamentário e financeiro. De modo geral, a contabilidade ganhou relevância com a LRF, e isso me faz lembrar das sábias palavras de um grande mestre, o saudoso professor Antônio Lopes de Sá, que disse certa vez: “Só não entende o valor da Contabilidade quem não possui cultura atualizada para compreender que é esta a ciência que pode ensejar modelos e comportamento da riqueza”.
Embora imperfeita – artigos foram considerados inconstitucionais e outros ignorados por gestores públicos –, a LRF trouxe válvulas de escape que permitiriam a sua flexibilização, em situações de calamidade pública e com o PIB crescendo abaixo de 1%. Diante do colapso econômico provocado pela imprevisível pandemia de Covid-19, essas válvulas foram acionadas e confirmadas pelo STF.
Na situação atual, a flexibilização das regras impostas pela Lei, para a adoção de medidas urgentes de enfrentamento à calamidade na saúde pública, é uma atitude necessária e sensata. Porém, no horizonte pós-pandemia, a responsabilidade fiscal será mais necessária do que nunca. A projeção da Secretaria do Tesouro Nacional – considerando a forte queda do PIB, aliada ao aumento inevitável, ainda que temporário, do déficit nas contas públicas, que pode chegar a 9% do PIB em 2020 – é que o endividamento público ultrapasse 90% do PIB.
Em meio às sérias batalhas que estamos hoje enfrentando para combater a tragédia humana provocada pela pandemia, proponho uma reflexão sobre uma fala do economista John Maynard Keynes, proferida em fevereiro de 1943, ao Parlamento britânico:
“O futuro será o que escolhermos para fazê-lo. Se o abordamos com medo e timidez, teremos o que merecemos. Se marcharmos com confiança e vigor, os fatos responderão. Seria uma coisa monstruosa reservar toda nossa coragem e força de vontade para a Guerra e então, coroados com a vitória, abordarmos a Paz como um bando de derrotistas falidos”.
(*) – É presidente do Conselho Federal de Contabilidade (CFC).