Igor Macedo de Lucena (*)
A vitória de Joe Biden não foi apenas uma mudança na política interna dos Estados Unidos. Ela gerou um efeito muito profundo na política internacional.
Nos últimos dias, o presidente americano se reuniu com os membros da OTAN, com os líderes da União Europeia e, em especial, com o presidente da Rússia, Vladmir Putin. A lista de debates e interesses foi extensa, passando por reformas do sistema internacional, da defesa, da pandemia e de outros assuntos de interesse global. Contudo, existiu um plano de fundo fundamental, a volta dos Estados Unidos como nação líder do Ocidente e a volta do multilateralismo no cenário internacional.
Biden mostrou que os americanos desejam cooperar com os europeus para a reorganização do planeta no pós-pandemia e principalmente auxiliar para a reconstrução da economia mundial, com vistas em uma transição para uma economia verde. Ao mesmo tempo, afirmou que os americanos não irão ficar apenas cobrando os membros da OTAN por mais gastos, mas sim que deverão confirmar um aumento da presença americana nas fronteiras da Europa, bem como aumentar a venda de armamentos para seus aliados.
Diferentemente da gestão de Donald Trump, Joe Biden tratou com o presidente Russo de maneira mais firme e assertiva, principalmente na questão sobre os assassinatos ocorridos na Europa, e ainda sobre o terrorismo virtual e a interferência nas eleições do ocidente, o que reabriu os canais de conversa sobre acordos nucleares e a diminuição da produção de ogivas atômicas.
Com a volta dos embaixadores aos seus respectivos postos, observa-se que as relações entre os Estados Unidos e a Rússia tiveram a pressão diminuída e que o equilíbrio mundial passa necessariamente por um alinhamento desses interesses em algum arranjo que seja minimamente proveitoso para duas das principais potências militares globais, e isso passa por recolocar novamente os russos na mesa de decisões do G7 e dos problemas mundiais.
A primeira visita internacional de Joe Biden à Europa representou, de fato, muitos ganhos para o presidente americano, e ao mesmo tempo fez com que os líderes europeus retomassem a confiança nos Estados Unidos, mas também os colocou em uma posição de alerta, pois nunca se sabe quando um novo Donald Trump pode emergir do outro lado do Atlântico.
Por conta disso, não deveremos assistir a um alinhamento total europeu aos interesses americanos, mas sim a um alinhamento programático no qual a União Europeia deve procurar seus próprios interesses de maneira mais independente e depender menos dos americanos, apesar de não desprezar sua aliança e seus benefícios.
Vladmir Putin obteve algumas vitórias nessa visita e talvez seja capaz de voltar ao cenário internacional como um ‘player’ capaz de impor sua vontade pela diplomacia e não pela força de seus tanques, o que poupará a Rússia de novas sanções, devendo melhorar não apenas a sua popularidade, mas também a economia nacional.
Por outro lado, Putin não encontrou em Biden um presidente com mente aberta para aceitar sua maneira autoritária de governar e deve bater de frente com o americano sempre que tentar ‘atropelar’ direitos individuais, sistemas democráticos ou acordos internacionais.
Ao mesmo tempo, e paralelo a tudo isso, Beijing acompanhou de perto a visita europeia de Biden, pois sabe que em breve ocorrerá a visita do presidente americano à Ásia e que deverá ocorrer uma ratificação americana junto aos aliados de Tóquio e Seoul. A visita a Pequim deverá ser uma repetição do encontro com o presidente Russo, o que certamente elevará as tensões na região.
Joe Biden, além de focar o pragmatismo diplomático e econômico com seus aliados, apresenta à plataforma internacional um importante aspecto que estava perdido nos últimos quatro anos, a defesa incondicional da democracia liberal, dos direitos individuais e da liberdade das nações livres contra o crescente autoritarismo de nações como a Rússia, a China, o Belarus e outras que infelizmente ganharam força e influência na última década.
(*) – É economista e empresário, Doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política.