Sandra Kalil (*)
A Odontopediatria vem ganhando cada vez mais importância num cenário em que, aos 12 anos, mais da metade dos brasileiros tem uma ou mais lesões de cárie.
Ao longo do tempo, inclusive, houve toda uma transformação do papel do odontopediatra. Muito mais do que um cirurgião-dentista “com jeito para lidar com crianças”, trata-se de um profissional que tem sob sua responsabilidade, em grande parte, todo o desenvolver de um comportamento que poderá resultar em um adulto com dentes saudáveis.
Os cuidados com a dentição infantil começam ainda na gestação. Cabe ao odontopediatra orientar as mamães sobre o que podem fazer – desde incorporar novas rotinas de higiene e alimentação, até mudar determinados hábitos nocivos à dentição das crianças – para que seus filhos nasçam com tendência a formar dentes fortes e saudáveis. A periodontite (inflamação na gengiva), por exemplo, vem sendo associada ao nascimento de prematuros e a recém-nascidos com baixo peso. Sendo assim, tudo começa já nos cuidados com a gestante.
Ainda há muitos pais, infelizmente, que também desconhecem a importância de tratar da saúde bucal da criança desde seu nascimento. Consideram que dente de leite não tem importância porque vai cair mesmo e que a preocupação em levar o pequeno ao cirurgião-dentista começa por volta dos oito a dez anos. Mas isso é um grande engano. Hoje, o odontopediatra tem uma nova perspectiva sobre a primeira dentição. Ao cuidar desde cedo dos dentes da criança, estimulando-a à correta higienização já nos primeiros anos de vida, também está prospectando um futuro mais saudável para essa pessoa.
Vale dizer que existe consenso em preservar o máximo possível os dentes decíduos (primeira dentição) para evitar uma série de problemas, como: desalinhamento resultante da extração precoce de um dente de leite; lesões de cárie que avançam nos dentes permanentes quando não tratadas logo na dentição provisória; infecções; problemas que resultarão na necessidade futura de um tratamento ortodôntico etc. Além do aspecto preventivo, tratar os dentes desde a primeira infância possibilita eliminar um dos grandes obstáculos que encontramos ainda hoje: muito adulto tem “medo de dentista”.
Quando a criança se acostuma a frequentar desde cedo o consultório odontológico, incorpora isso naturalmente à sua rotina e passa a tratar o cirurgião-dentista como os demais profissionais de saúde, a exemplo do pediatra. Mais do que isso, crianças acostumadas desde cedo a cuidar da saúde bucal tratam a todos como amigos, desenvolvendo uma saudável relação de confiança. Afinal, há toda uma preocupação por parte dos odontopediatras em receber essas crianças de forma lúdica e acolhedora. Oferecer um ambiente colorido, livros e brinquedos para diferentes idades é uma delicadeza que mostra ao público infantil o quanto ele é importante e contribui para deixar as crianças mais à vontade, mais calmas para compreender o porquê dos procedimentos clínicos.
Ao transformar os cuidados com a saúde bucal numa experiência agradável para a criança, o odontopediatra contribui para que ela cresça cuidando bem dos dentes e se alimente corretamente – o que resultará num adulto com boa saúde bucal, com baixa incidência de cárie e outros problemas resultantes da falta de cuidados e escovação apropriada. Uma das primeiras medidas é advertir os pais de que a criança jamais deve ser colocada para dormir com a mamadeira no berço ou na cama. Apesar de parecer familiar para a maioria das pessoas, isso está errado. Seja a fórmula que for, ou ainda um suco, se a criança não higienizar a boca logo depois de mamar, o acúmulo de açúcar contribuirá muito para o aumento de bactérias nocivas na cavidade bucal, levando à formação de lesões de cárie mesmo nos dentes decíduos.
Até mesmo por isso, os odontopediatras costumam avaliar os hábitos alimentares da família e da criança. Por exemplo, alguns pais costumam colocar achocolatados e sucos de caixinha nas lancheiras, mas precisam ser advertidos de que também esses líquidos são prejudiciais à saúde bucal. Da mesma forma que o açúcar presente em doces, pães e bolachas, o açúcar dessas bebidas se transforma em ácido e ataca o esmalte dos dentes, provocando cárie e até mesmo inflamações. Grosso modo, os mesmos cuidados que os pais têm para proporcionar uma alimentação mais saudável a seus filhos e evitar a obesidade infantil – que aumenta de modo alarmante no Brasil, superando problemas como a desnutrição – contribuem para que os menores desenvolvam dentes mais saudáveis e um sorriso bonito.
Finalmente, ensinar crianças e adultos a escovar corretamente os dentes, pelo tempo mínimo necessário para promover uma limpeza ideal da boca, também é papel do odontopediatra – que, com paciência e gentileza, costuma reforçar essa mensagem a cada consulta. Até que a criança atinja três anos, os pais serão orientados sobre a melhor forma possível de promover essa higienização/escovação. Mas, como a coordenação motora é desenvolvida aos poucos, caberá aos pais supervisionar os rituais de limpeza bucal de seus filhos até que completem 10 ou 11 anos. Isto não quer dizer que, depois disso, poderão eliminar a preocupação com a saúde bucal de seus filhos. Ainda caberá aos pais checar o bom estado das escovas de dente, agendar consulta com o cirurgião-dentista para aplicação do selante e vigiar os hábitos de seus filhos.
Ao menor sinal de ranger de dentes, estalar de mandíbula ou permanecer tempo demais com a boca aberta, vale a pena buscar ajuda especializada. Como as crianças costumam adquirir os mesmos hábitos que os adultos, seu comportamento deve ser constantemente avaliado pelo odontopediatra para checar se o excesso de preocupação e estresse não está impactando a formação e saúde dos dentes. Enfim, esse profissional deverá fazer um acompanhamento bastante personalizado até que essa criança se transforme em adulto – de preferência, com um sorriso saudável e bonito.
(*) – É professora do curso de pós-graduação em Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentista (www.faoa.edu.br).