Dianne Melo (*)
A palavra é o primeiro alimento do bebê. É ela que conduz a criança ao desenvolvimento emocional e cognitivo, à construção do imaginário e ao processo de aquisição da linguagem.
A todo tempo podemos oferecer às crianças algum tipo de diálogo, formal ou informalmente. Cantando canções de infância, contando casos de família e lendas da nossa cultura, ajudando-as a ler textos e imagens nas placas de orientação, nas ruas. Todas essas linguagens, embora simples, são ferramentas essenciais na relação de adultos com crianças e que serão a base de todo o desenvolvimento linguístico delas. São muitos os estudos que demonstram que a formação de conexões cerebrais é mais intensa no período entre a gestação e os cinco anos de idade, alicerçadas nas experiências vivenciadas.
Em todas as culturas, as crianças se reconhecem, compreendem tempos e espaços, criam vínculos e constroem memórias afetivas por meio da palavra. Por esse motivo, o direito à leitura e a outros bens culturais deve ser garantido, para que todas as crianças tenham oportunidades de desenvolver as competências de leitura e escrita necessárias para o pleno exercício da cidadania. Além disso, o fortalecimento do vínculo afetivo familiar aumenta sua segurança para ganhar autonomia.
O psicanalista colombiano Evélio Cabrero-Parra considera que a linguagem cotidiana tende a ser muito imperativa, dando orientações e limites para a criança sobre o que fazer e o que não fazer. A literatura, por sua vez, oferece um novo vocabulário e histórias de outros lugares, perspectivas e possibilidades, tem um ritmo próprio e sem omissões típicas da fala. Quando um adulto lê para uma criança, ela escuta com maior liberdade e apreende o que necessita. Ao apresentar às crianças a fantasia, por meio das histórias e dos personagens, a literatura exerce um papel fundamental na construção do significado.
Elas passam a usar a imaginação e a criatividade para lidar com sentimentos e emoções, enriquecendo e ampliando suas experiências com as pessoas com quem convivem e com elas mesmas. A vida em família mudou significativamente de 30 anos para cá. Naquele tempo, a permanência da mãe em casa, o convívio com os avós, um núcleo familiar maior — com tios e primos vivendo no mesmo bairro — a proximidade com os vizinhos, favorecia um ambiente de narrativas mais ricas. As rodas de histórias, os contos de terror, as lendas regionais, eram elementos férteis para a construção do imaginário por meio da palavra.
Atualmente, com o ritmo de vida em outra rotação, esses espaços foram preenchidos por TVs, computadores e tablets. É impossível imaginar o nosso dia a dia sem a tecnologia, claro. Não se trata disso. Mas é fundamental resgatar o equilíbrio desta relação para criar crianças bem nutridas emocionalmente, como diz Parra. O afeto e a disponibilidade dos pais são mais determinantes para as práticas de leitura do que a condição socioeconômica. A qualidade das interações, conversas e trocas no ambiente familiar favorece a apropriação de ferramentas essenciais para viver e conviver num mundo letrado e a participação efetiva numa sociedade que é mediada pela palavra.
As escolas e creches, embora não sejam as únicas responsáveis pela promoção das práticas sociais de leitura, acabam sendo, muitas vezes, um lugar privilegiado para garantir o acesso à palavra, à cultura e à arte. Em março, autores e ilustradores de literatura infantojuvenil e especialistas em temas e políticas ligados à primeira infância, à cultura e ao desenvolvimento infantil trouxeram à tona, durante o Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura na Primeira Infância, realizado no Sesc Pinheiros, a reflexão sobre como estas questões estão sendo vistas, os diferentes olhares que podem contribuir para ampliar referenciais e inspirar novas práticas.
Os pontos cruciais, como o título do evento bem coloca, são a arte, a palavra e a leitura, como um tripé fundamental para sustentar esforços em iniciativas que garantam a todas as crianças o acesso à cultura por meio de políticas, programas e projetos de incentivo à leitura. A escritora e educadora Yolanda Reyes, reconhecida pesquisadora na área de formação de leitores, destaca a necessidade de refletir sobre a pedagogia de literatura, seja nas escolas ou em espaços da sociedade civil.
Para ela, essa prática precisa dar vazão à imaginação das crianças e jovens para que sejam capazes de recriar, a partir de suas próprias experiências e perspectivas, suas “casas de palavras”, o caminho deixado pelas pegadas do criador/autor. Deixo aqui um de seus questionamentos para nos ajudar a refletir: “De onde surgiu esse consenso que obriga todos a sublinharem a mesma coisa em um mesmo parágrafo de um conto, a entenderem rapidamente as mesmas ideias principais e a enxergarem todas as obras a partir de um mesmo ponto de vista?”.
E sua conclusão: “No fundo, os livros são isto: conversas sobre a vida. E é urgente, sobretudo, aprender a conversar”.
(*) – É gestora de programas e projetos sociais e educacionais do Itaú Social.