Guilherme De Rosso (*)
Depois de passar por várias áreas e trabalhar em diferentes profissões, cai de paraquedas na cozinha de um restaurante.
Apesar das muitas dificuldades e da diferente realidade daquelas pintadas por séries de TV e filmes da Netflix, posso falar que me encontrei. Mas antes de abrir meu próprio negócio, sabia que era importante a busca por especialização e mais conhecimento na área. Foi aí que decidi ir para Itália, lugar que para muitos, tem uma das melhores gastronomias do mundo. Afinal, nada melhor que unir a tradição da família descendente de italianos com a vontade de aprender novas técnicas e receitas.
Fiz um curso de master em gastronomia italiana para estrangeiros, no ICIF, na região do Piemonte, em um castelo charmoso da cidade de Costegliole D’Asti. Era um dos poucos da turma de brasileiros que ainda não tinha tanta experiência na cozinha profissional, ao menos não tanto quanto eu esperava. Mas posso dizer que me saí bem. Durante o curso, de aproximadamente 2 meses (manhã e tarde), fizemos 4 pratos exames com banca de jurados, igual um Master Chef da vida, só que da vida real, escutando e absorvendo críticas positivas e negativas.
Após esse período de aprendizado, devíamos escolher o tipo de restaurante que gostaríamos de estagiar. Eu queria ter a experiência de trabalhar em um local com uma estrela Michelin, sabia que aquele conhecimento era importante para minha área. Fui então estagiar no restaurante La Corte, no Relaix e Chateaux Villa Abbazzia, na região do Vêneto, mais precisamente na cidade de Follina, região de vinhedos e produção do Pro-Secco.
Na época o chef era relativamente novo, mas já era estrelado. Um mês e meio depois – cheio de histórias, por sinal – fui para o Ristorante e Albergo Il Cascinale Nuovo, em Isola D’Asti, de novo no Piemonte, do chef Walter Ferreto, restaurante prestigiado na região, com 1 estrela Michelin há 10 anos. Em ambos, aprendi muitas técnicas e várias receitas, fiz bons amigos e ótimas lembranças.
No entanto, o mais importante que pude tirar dessa experiência, e que levo comigo até hoje na minha vida profissional e pessoal, foram extraídos dos momentos mais difíceis. Como por exemplo, como se deve ou não liderar uma cozinha e um grupo de profissionais. E pra mim, a principal deficiência da maioria dos chefs brasileiros.
Muitos não imaginam como é trabalhar em cozinha no Velho Continente. Trabalho de 16 horas diárias, 1 folga na semana (quando tinha) e o mais alto nível de estresse é o “café com leite”, por lá. Não irei mentir, me assustei muito quando tive esse choque de realidade, mas em nenhum momento pensei em desistir, pois estava determinado a aprender o máximo em cada situação.
Tive ”sorte” de cair na cozinha de um chef “meio maluco”, no primeiro estágio na região do Vêneto. Os dois cozinheiros que ali trabalhavam me ensinavam muito. Não só como fazer as preparações, mas como agir numa cozinha renomada. Ainda lembro de um deles, nos momentos de ira do Chef, sempre falando: “Esteja firme, é isso que molda seu caráter.”
No segundo restaurante estrelado, tínhamos um líder na cozinha, um exemplo para se espelhar, nas horas de raiva ou de calmaria. E foi aí que pude comparar ambos ambientes de trabalho e começar a decidir que tipo de chef eu seria, quando tivesse que comandar uma cozinha. Hoje tento ser o melhor líder para quem trabalha comigo, devo dizer que é um aprendizado diário, e que sempre estarei aprendendo com eles assim quanto eles, comigo.
Acredito, que um bom cozinheiro você acha fácil, mas bom chef, não. Pra mim, um bom chef não é só aquela pessoa que sabe milhões de receitas, e técnicas mas aquele profissional que sabe liderar um grupo, tomar as decisões na hora que é necessário e quando vai tudo por água abaixo, chamar a responsabilidade para si e admitir o erro.
Pois, nem todo Chef é cozinheiro e nem todo cozinheiro é Chef.
(*) – É responsável pela cozinha do boteco ‘Simples Assim’, de Curitiba, e supervisiona o curso de ‘Beer Sommelier do Centro Europeu’, uma das principais escolas de gastronomia do Brasil.