Flavio Lang (*)
O setor de telecomunicações no Brasil tem se destacado no cenário global, especialmente pelo seu rápido crescimento no acesso à banda larga fixa. O país registrou o terceiro maior aumento absoluto em conexões mundialmente, ficando atrás apenas da Índia e da China. Também, alcançou um aumento líquido anual de 5 milhões de conexões de fibra, totalizando 47,5 milhões de conexões de serviços de conectividade fixa em 2023.
Interessantemente, 53% dessas conexões são ofertadas por empresas regionais e locais, que têm sido cruciais para o crescimento desse mercado, tornando-o um dos mais competitivos globalmente, evidenciado pela existência de mais de 20 mil provedores de internet autorizados pela Anatel. No entanto, uma desaceleração foi observada recentemente, com uma leve retração no mercado residencial em alguns estados do Norte e Nordeste, possivelmente indicando uma maturação do nicho e uma diminuição na capacidade de compra por parte da população.
Um ponto notável é que as operadoras regionais têm menor participação no segmento empresarial, onde detêm cerca de 53% dos acessos, mas quase 75% do valor está concentrado nos grandes e tradicionais provedores de telecomunicações. Isso sugere que os segmentos B2B e B2G (relações comerciais entre empresas e governos) ainda são dominados pelos grandes players, em grande parte dos projetos de abrangência nacional das empresas privadas e do Governo federal.
Nos últimos dois anos, um fenômeno marcante no setor de telecomunicações brasileiro foi a venda de ativos de redes fixas por grandes operadoras, um processo conhecido como a criação de “Infra Co”. Esta estratégia envolveu a separação das redes fixas existentes e a formação de novas entidades operacionais independentes focadas na infraestrutura fixa, conhecidas como provedores de rede neutra. Este modelo segue uma tendência observada nas operações móveis, onde a venda e o aluguel de torres de telefonia já eram práticas comuns.
No Brasil, este movimento foi exemplificado pela Oi, que vendeu sua infraestrutura para formar a V.tal; pela Telefônica, que segregou parte de sua rede para criar a FiBrasil; e pela Tim, que estabeleceu a I-system. Além disso, várias operadoras regionais investiram significativamente em suas áreas de atacado, e lançaram suas redes neutras, enquanto entidades como a NEO emergiram buscando consolidar e construir alternativas competitivas às três grandes redes neutras. Esse modelo de negócio não se limitou ao Brasil, expandindo-se também para outros países da América do Sul. Um exemplo é a Colômbia, onde a On-Net exemplifica essa inovação.
O conceito de rede neutra se consolidou como um modelo de negócio promissor, baseado na ideia de um operador neutro, disponibilizando infraestrutura de fibra óptica para várias operadoras, sem competir no mercado final. Isso promove um uso mais eficiente dos investimentos tecnológicos, reduzindo o impacto ambiental e a poluição visual nas cidades.
Outro ponto promissor com a chegada das redes neutras é a possibilidade de ampliar a cobertura nacional de conectividade e redução da brecha digital. O modelo de compartilhamento é essencial para o fomento da democratização e inclusão digital no país. A expansão de cobertura de internet em zonas rurais e periféricas, incluindo áreas de baixa renda, são vistas como uma possibilidade real pelos players do segmento. Vale destacar também o trabalho da agência reguladora e das entidades na flexibilização do fundo de universalização das telecomunicações e o esforço da indústria em regularizar a situação da utilização dos postes.
O compartilhamento de ativos, como torres de telefonia, antenas e equipamentos de rádio, já é uma prática comum na indústria. A infraestrutura de rede de fibra compartilhada por poucos operadores neutros surge como uma solução mais sustentável. O operador da rede neutra gerencia a implantação e manutenção dos equipamentos e da rede, permitindo que várias companhias compartilhem a mesma infraestrutura e lucrem com a locação para diversos provedores de internet. Isso facilita a expansão de cobertura pelas telecomunicações, evitando os altos custos, prazos e complexidades da construção de infraestrutura própria.
O desenvolvimento de redes neutras no setor de telecomunicações está transformando o cenário competitivo, movendo o foco das operadoras da infraestrutura física para a qualidade e inovação dos serviços oferecidos. Esta mudança reduz as barreiras de entrada no mercado, acirrando a concorrência. As operadoras agora enfrentam o desafio de desenvolver propostas de valor atraentes e distintas, especialmente em um ambiente onde a infraestrutura de rede se tornou uma commodity.
Para se destacarem, as operadoras precisam se concentrar em oferecer um atendimento ao cliente excepcional, abrangendo todas as fases, do pré ao pós-venda. Um suporte técnico ágil e confiável, juntamente com estratégias de marketing direcionadas e personalizadas, é essencial para atender e superar as expectativas dos clientes. Além disso, a integração de tecnologias inovadoras que melhoram a experiência do usuário e oferecem novos serviços e funcionalidades torna-se um fator chave para a diferenciação no mercado.
As operadoras de redes neutras enfrentam por sua vez o desafio de transformação cultural e processos, uma vez que muitas delas emergem de empresas maiores e carregam práticas que podem não ser tão eficientes quanto as de operadores regionais menores. Essa herança, juntamente com a dependência econômica de suas empresas-mãe, pode limitar sua capacidade de responder com rapidez e inovação adequada ao mercado. Para competir efetivamente, essas operadoras de rede neutra precisam adotar uma cultura corporativa mais dinâmica e processos mais eficientes, o que é crucial para atender às expectativas dos provedores regionais, seus principais futuros clientes.
No segmento empresarial, também está ocorrendo uma mudança de paradigma, com um número crescente de empresas aceitando e adaptando-se às soluções fornecidas por meio de modelos de infraestrutura compartilhada atendidos em rede neutra. Essa aceitação representa um passo significativo na direção de um entendimento mais amplo e da adoção do modelo de rede neutra, indicando uma evolução nas práticas empresariais e uma maior abertura às inovações no setor de telecomunicações.
Com tudo isso exposto, é possível dizer que essa chegada trouxe uma grande expectativa para o mercado nacional. A verdade é que alinhar os interesses do consumidor, operador e acionista é um passo fundamental para que a indústria de telecomunicações atue de forma efetiva e estratégica, principalmente em um país de dimensões continentais como o Brasil.
(*) Cofundador da SecureLink.