Levantamento do InstitutoZ, primeiro especializado em estudos de comportamento e consumo da Geração Z, destaca a necessidade de as plataformas revisarem modelos de monetização e repasse aos criadores a fim de reduzir as desigualdades
O termo “middle creators” surgiu em um artigo de Li Jin para a Harvard Business Review em 2020. Tratam-se de criadores de conteúdo que obtêm lucro com atividades na internet, porém, estão distantes de um ideal fantasioso de que todos profissionais deste mercado vivem no luxo e na riqueza. Tal concentração de renda gera falta de segurança financeira para muitos creators, independente do tamanho de sua audiência nas redes sociais, o que por sua vez prejudica a atividade de produção de conteúdo em geral.
Para identificar esse perfil de profissional na creator economy brasileira, o InstitutoZ, primeiro especializado em estudos de comportamento e consumo da Geração Z, realizou uma análise, conduzida pelos especialistas Danillo Lima e Leticia Cruz, cujo objetivo foi entender as principais dores dos middle creators. O instituto de pesquisa é uma iniciativa da Trope, martech especializada em soluções de negócios para marcas com foco na geração Z e Alpha.
Luiz Menezes, fundador da Trope, ressalta que esses criadores buscam a produção de conteúdo como fonte de renda principal, porém esse processo é lento devido à falta de oportunidades. “As receitas publicitárias acabam se concentrando em creators maiores, e esse desbalanceamento reduz não apenas os repasses para os middle creators, como também a confiança deles em produzir conteúdos originais. No contexto do Brasil, a desigualdade entre creators é ainda mais acentuada por questões cambiais, no caso de plataformas que remuneram em dólar. Então, os middle creators tentam ao máximo fidelizar os seus seguidores para garantir regularidade nos lucros”, explica.
Esse perfil de creator está se tornando cada vez mais comum no cenário brasileiro, principalmente após a pandemia, que fez com que o profissional, que antes não tinha relação com a criação de conteúdo, entrasse nas plataformas digitais. Aliado a essa questão, o Brasil também está em desvantagem quando se trata de políticas públicas e privadas na educação básica, que visam fomentar o ensino do empreendedorismo e inovação. A creator economy em países como China e EUA, por exemplo, é muito mais desenvolvida, pontua Luiz.
Por outro lado, de acordo com o especialista, não é possível afirmar que a maioria dos criadores do Brasil são middle creators, pois seria necessário um estudo bastante consolidado da categoria. O que se pode fazer é observar os indicadores do país: alto nível de desigualdade e concentração de renda em alguns setores. Dados do Ministério do Trabalho de 2022 apontam que as profissões mais bem pagas estão em áreas do setor financeiro, setor bancário, recursos humanos, pesquisa e desenvolvimento. “Percebemos que cargos diretamente ligados à creator economy e produção de conteúdo para a internet não aparecem no ranking. Então, ou esses trabalhos ainda não são denominados pelo que são, ou realmente não figuram nas camadas mais privilegiadas do Brasil”, esclarece.
No entanto, a imprensa e o mercado construíram uma imagem de que ser creator é se tornar rico e famoso, mas essa não é a realidade da maioria. Para Luiz, os creators que se consolidaram e faturaram milhões, juntamente da imprensa, que em primeira mão quis cobrir histórias de sucesso, corroboraram pela construção e disseminação da ideia de que a ascensão acelerada pode acontecer com todos aqueles que dedicarem suas vidas inteiramente para a criação de conteúdo.
O especialista acredita que é essencial desconstruir essa imagem para que os criadores entrem no mercado com expectativas realistas. “Vender a ideia de riqueza e fama traz riscos. Os veículos precisam ter responsabilidade social e não banalizar essa profissão, incentivando que com ‘poucos esforços’ se faz altos faturamentos, desconsiderando a complexidade e alto número de ‘concorrentes’ por trás das empresas hoje. Porém, é preciso alertar que os criadores de conteúdo investem tempo e conhecimento no ecossistema e devem ser remunerados de forma justa. Isso é importante para os middle creators e para a sustentação do modelo de negócios das plataformas e das empresas anunciantes”, finaliza.
Visto esse cenário, a Trope ouviu diferentes criadores de conteúdo que se identificam como middle creators:
“Estou há cerca de sete anos na internet, trabalhando com o nicho de maquiagem, mas o momento atual é difícil. Hoje em dia não consigo viver só da internet e eu penso cada vez mais em começar a buscar outras fontes. Acredito que para conseguirmos de fato mudar o mercado, as marcas precisam passar a levar em consideração o conteúdo que os creators conseguem fazer e a comunicação que podem gerar com o público, não apenas likes e engajamento” (Emerson Damas, 22 anos, mais de 2.2 milhões de seguidores).
“Nos últimos anos, senti a necessidade de estar em mais plataformas, pois YouTube e Instagram não estavam sendo suficientes para monetizar de forma satisfatória. E agora, em quase 5 anos criando conteúdo para a internet, pela primeira vez me vi buscando outras fontes de renda. Acredito ainda que é um mercado incrível, mas extremamente concorrido. Não é um ‘lugar confortável’, afinal, não dá para se acomodar quando se trabalha com internet” (Mirela Pizani, 33 anos, mais de 2.3 milhões de seguidores).
“Passei dois anos trabalhando só com criação de conteúdo, mas como é uma profissão instável, chegou um momento em que eu não estava conseguindo mais me manter. Ter uma publicidade todos os meses é difícil, ou você tem dinheiro guardado para te salvar no mês apertado ou você recorre para outros meios. Ser creator requer dedicação e força de vontade. Não é fácil, é um trabalho que precisa ter muita constância para dar certo” (Arthur Bastos, 30 anos, com mais de 1.3 milhão de seguidores).
“Infelizmente ainda não consigo me manter apenas com a criação de conteúdo, tenho que recorrer a outros meios. Não é a minha realidade atual, porém, estou trabalhando para chegar lá. No entanto, sinto que há uma certa dificuldade e percebo que algumas marcas preferem criadores grandes ao invés de darem oportunidade para os médios ou pequenos creators. Isso causa uma má distribuição da verba na creator economy” (Vini Fachine, 21 anos, com mais de 293 mil seguidores).