Marcelo Souza (*)
Provavelmente você já deve ter escutado o termo economia circular, ainda mais com o aumento da preocupação da população com relação ao meio ambiente. Isso porque ela propõe novos modelos de produtividade e uma nova maneira de gerir negócios e vidas. Contudo, não estamos obrigatoriamente falando de algo único ou novo, mas sim de uma onda que se forma debruçada sobre o ombro de muitos outros conceitos e seus pensadores.
Assim, a economia circular encontrou na quarta revolução industrial a “energia” que precisava para chegar à costa e causar transformações profundas. Antes de podermos nos aprofundar propriamente no que chamo de “tsunami da nova economia”, vamos trazer à memória suas raízes, como o pensamento em ciclos ou economia de performance, criado pelo arquiteto suíço Walter R. Stahel durante a década de 70, com o conhecido conceito “do berço ao berço” que propõe que o produto deve ser pensado desde de sua concepção até seu descarte correto.
Em seguida, emerge o conceito da ecologia industrial, ainda durante a década de 70 e com forte presença no Japão, introduzindo a simbiose industrial. Anos mais tarde, em 1994, John T. Lyle apresentou o conceito do designer regenerativo, pautado no equilíbrio entre eficiência e resiliência, colaboração e competição, diversidade e coerência, observando a necessidade do todo.
Mais recentemente, no início do século XXI, a bióloga Janine Benyus, em um abordagem tecnicista, inspirada na natureza, introduz a biomimética que reúne biologia, engenharia, design e planejamento de negócios na busca da mimetização, ou seja, copiar os processos bioquímicos observados na natureza para a gestão de fluxos de energias e materiais. Durante a era das revoluções industriais, e de forma mais acentuada a partir do século XIX, acompanhamos a crescente oferta de produtos e bens de consumo, debruçados sobre o conceito da obsolescência programada.
Essa ideia, criada pelo presidente da General Motors, Alfred P. Sloan, durante a década de 20, fala sobre o fabricante planejar o exato momento em que seus produtos se tornem obsoletos ou não funcionais, com o único propósito de forçar o consumidor a comprar uma nova geração de itens. Assim, presenciamos o mundo criar muitas riquezas, mas executar uma péssima distribuição.
O que o senhor Sloan não se atentou é que em 2050 seremos aproximadamente 10 bilhões de pessoas no planeta e estamos consumindo de forma linear, cada vez mais acelerada pela aplicação lucrativa, mas gananciosa obsolescência programada. Estamos consumindo recursos naturais finitos e gerando um desgaste ao meio ambiente, nosso fornecedor primário de tudo. Esse modelo linear, base da nossa economia atual, é pautado em extração, produção, uso e descarte.
Com o crescimento populacional, e naturalmente esse tipo de molde precisando ser cada vez mais eficaz para o atendimento da crescente demanda, o colapso do sistema fica mais evidente. O dia de sobrecarga da Terra trata-se da data em que consumirmos todos os recursos naturais disponíveis para o ano, e a cada ano que passa batemos novos recordes. Se comparado com uma conta bancária, por exemplo, seria o dia que se entra no vermelho.
Em 2019, o dia de sobrecarga da Terra no Brasil foi 31 de julho e, nos EUA, 15 de março, ou seja, utilizamos os recursos naturais disponíveis para o ano de 2019 inteiro até o dia 31 de julho e os americanos meses antes. Para ter parâmetro de comparação, o mesmo marco, na década de 70 acontecia no dia 29 de dezembro. O surgimento da quarta revolução industrial, que chamo de “Tsunami da Economia Circular”, é algo que precisa acontecer e, graças a bilhões de pessoas conectadas, isso é possível.
Durante minha carreira tenho ministrado inúmeras palestras para os mais diversos públicos e sempre faço uma pergunta recorrente: Quem aqui tem uma furadeira em casa? Acreditem, é normal termos mais de 90% das mãos levantadas. Em seguida pergunto: Quem aqui já fez mais de 20 furos com esse equipamento? Nesse caso, as mãos baixam drasticamente. Para entender melhor essa dinâmica, por falta de dados técnicos, procurei meus colegas da manutenção e perguntei quantos furos uma furadeira tem a capacidade de fazer durante a sua vida útil.
Eles contaram que possuem equipamentos que tem mais de cinco anos e são utilizados, ao menos, três vezes por semana, fazendo de 20 a 30 furos cada vez que trabalham, assim entendemos que esse equipamento já fez mais de 18 mil furos. As pessoas que conheço possuem uma furadeira em casa fazem menos de 50 furos em sua vida. Isso sem falar dos novos modelos com bateria mais forte, que fazem o furo, parafusam e possuem outras funcionalidades. Seria obsolescência programada?
Naturalmente isso teria contribuído para o dia de sobrecarga da Terra ficar mais próximo do dia 31 de dezembro, novamente. Perguntas que devem ser feitas para entender essa questão são: Precisamos de um carro ou nos locomover? De um DVD ou do acesso ao filme que queremos assistir? De uma máquina de lavar ou da roupa limpa?
A economia circular deixa de consumir linearmente recursos e foca em redução de extração, redução de perdas de processo, otimizar o uso dos materiais, circular mais e melhor e retornar os materiais a novos ciclos. Esse conceito de Economia Circular encontrou no mundo das plataformas uma das marcas da quarta revolução industrial: a possibilidade de se tornar um tsunami, uma nova economia.
Como disse o professor Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial em seu livro A Quarta revolução industrial, “O conhecimento compartilhado passa a ser especialmente decisivo para moldarmos um futuro coletivo que reflita valores e objetivos comuns”. E você prefere continuar vendendo produtos ou migrar para serviços?
(*) – É CEO da Indústria Fox, pioneira em indústrias de reciclagem e refurbished de eletrônicos.