Mariana Munis (*)
Em novembro de 2022, acompanhamos um verdadeiro surto coletivo de alguns brasileiros: milhares de pessoas se acotovelavam para acompanhar a inauguração da Shein, primeira unidade física da marca na América do Sul em formato pop-up store (espaço temporário), no Shopping Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo.
A pergunta que não quer calar é a seguinte: por qual motivo o Brasil foi escolhido para abertura dessa loja no continente sul-americano? Os sites estrangeiros (Shein, Shoppee, Aliexpress, entre outros) caíram nas graças dos brasileiros ao longo dos últimos anos, e o Brasil é um grande mercado consumidor para a Shein.
De acordo com o Fórum Econômico Mundial, em seu relatório “Global Competitiveness Report”, de 2019, o Brasil ocupa a décima posição ao avaliar o tamanho de mercado, indicando assim uma oportunidade para investidores estrangeiros entrarem em um mercado consumidor tão grandioso. Esse tipo de compra realizada por brasileiros em sites internacionais é denominada pelo instituto de pesquisa Nielsen como Cross Border Trade.
De acordo com pesquisa realizada semestralmente com o painel de consumidores online NielsenIQ|Ebit e Bexs Pay e divulgada na 46ª Edição do relatório Webshoppers, com o objetivo de entender o consumo dos brasileiros em sites internacionais (amostra de 2.837 respondentes no Brasil), de 2 a 8 de agosto de 2022, descobriu-se que:
• 58% dos shoppers são do gênero masculino e 41% são do gênero feminino;
• 62% têm entre 25-49 anos e 64% possuem ensino superior
• 39% dos shoppers têm a renda familiar até R$4.800
Um dos grandes atrativos para consumidores brasileiros comprarem de sites estrangeiros é o fator preço mais baixo, aliado a itens que possuem, por exemplo, uma qualidade igual ou muito semelhante à dos grandes varejistas brasileiros. Além do mais, os brasileiros amam comprar nesses sites, pois, quando chega, por exemplo, o pedido da Shein na casa do consumidor, há um esmero no empacotamento da mercadoria
Todas chegam embrulhadas em uma sacolinha, que dá para ser utilizada posteriormente de outras formas, como em mala de viagens, transportar roupas e sapatos dentro de uma mochila, entre outros. Percebe-se também que outro fator cativante para compra em sites estrangeiros é uma redução do tempo de entrega, o que tornou algo bastante atrativo aos consumidores, já que a mercadoria boa e barata chega mais facilmente e a ansiedade da espera diminui.
Outro ponto cativante é que esses sites tornaram-se mais famosos, principalmente no momento de pandemia, fazendo com que mais e mais brasileiros comprassem produtos dessas plataformas, aliado ao fato de o brasileiro ter maior acesso para efetuar suas compras via mobile: de acordo com dados do Relatório Apps Mobile de Compras de 2022, da Liftoff, o mobile é o meio favorito de muitos compradores brasileiros.
Isso porque o mercado de mobile commerce (ou m-commerce) cresce e, em 2021, faturou R$ 95,5 milhões, representando 53% das vendas nacionais online. Também percebe-se que esses marketplaces estrangeiros possuem boas estratégias de marketing digital em suas plataformas. Ou seja:
- a. usabilidade, ou seja, o cliente consegue efetuar suas compras de maneira intuitiva e fácil, além de encontrar precisamente as medidas da peça de roupa, por exemplo, a ser adquirida;
- b. recomendações dos clientes na plataforma e marketing de relacionamento: incentiva-se os usuários a postarem fotos com as mercadorias que compraram e efetuarem depoimentos das mesmas, ganhando em contrapartida cupons de desconto nas próximas compras, o que faz com que muitas pessoas voltem a comprar, além de incentivar pessoas que nunca compraram da plataforma a serem encorajadas a efetuarem seus primeiros pedidos, já que existem pessoas reais recomendando a peça adquirida.
Na primeira compra, o cliente já possui cupom de desconto. Ao abrir o aplicativo, o cliente pode resgatar cupons e se deixou os depoimentos e a foto da mercadoria, acumula mais descontos. Logo, quanto mais um cliente compra, mais ele tem descontos e cupons.
Porém, nem tudo são flores nesse processo de compra e consumo de sites estrangeiros. Sabemos que a tentação para ter um look novo, de maneira rápida e acessível é grande, mas é importante salientar que todo ato de consumo é um ato político: já parou para pensar que a peça de roupa que você está usando pode ser fruto de trabalho análogo à escravidão?
Que enquanto você exibe um lookinho novo que foi a um festival de música em suas mídias sociais, esse mesmo lookinho pode ter causado sofrimento em muitas pessoas, dentro de uma cadeia de produção de moda? Vale a pena carregar um look novo “com marcas de sangue” de outra pessoa que trabalhou “até a morte” para te servir?
De acordo com a reportagem investigativa veiculada na emissora britânica Channel 4, em outubro de 2022 (um mês antes da aglomeração de brasileiros na nova loja da Shein no Brasil), os funcionários que costuravam para Shein, além de trabalharem em condições muito precarizadas por horas seguidas, ganhavam aproximadamente R$ 0,20 por peça produzida, com direito apenas a uma folga mensal.
Nessa investigação, um repórter infiltrado simulava ser um trabalhador da organização e descobriu que, frequentemente, os colaboradores trabalham até 18h por dia e costuram, em média, 500 peças de roupa todos os dias. Identificou-se também que alguns costureiros são imigrantes. Ademais, a indústria da moda é a sexta mais poluente do planeta, uma das que mais agravam o aquecimento global, segundo relatório The Eco Experts, em 2022.
O Fórum Econômico Mundial lançou no começo de 2023 o relatório “The Global Risk Report” e os quatro primeiros grandes riscos referem-se às questões ambientais, como: falha em mitigar as mudanças climáticas; falha na adaptação às mudanças climáticas; desastres naturais e eventos climáticos extremos; perda de biodiversidade e colapso do ecossistema. Será que seu consumo não está contribuindo para agravar os grandes riscos que o planeta perpassa na terceira década do século XXI?
Além do trabalho escravo, na indústria da moda há também a procedência duvidosa da matéria-prima para confecção das roupas, desde o uso de agrotóxico e desperdício de água no plantio do algodão, poluição da água para tingimento de tecidos, transporte das peças em toda cadeia, até o incentivo ao consumo desenfreado e padrão de corpo inalcançável exposto na comunicação da empresa e descarte da peça pelo consumidor de qualquer maneira.
Para se ter uma ideia, uma calça jeans em seu processo produtivo, utiliza em média 5,2 mil litros de água, desde o plantio da fibra, até o pós-consumo. Portanto, ser chique de verdade, no século XXI, é comprar peças que duram por anos e que se pode fazer diversas combinações, em situações distintas; ao invés de gastar seu dinheiro com peças sazonais, que ficam encalhadas no guarda-roupas, é investir esse dinheiro em educação, viagem, cultura ou ter um guarda-roupa compacto e que responda suas necessidades diárias.
Que tal começar a repensar seu consumo, comprando roupas de negócios locais, que você saiba da procedência da matéria-prima e como as pessoas são tratadas no negócio? Que tal estimular a economia local e comprar peças que duram mais? Ou comprar peças que estão novas, mas que são de segunda-mão? Ou alugar roupa de seus amigos ou efetuar reparo em alguma peça sua que ainda esteja em boas condições? Que tal, antes de comprar algo novo, aprender a utilizar as suas peças já existentes, de maneira diferente?
A responsabilidade por um planeta melhor para as presentes e futuras gerações é de todos: o poder de mudar as práticas das empresas em nossas mãos, afinal, nossa ferramenta mais valiosa é o poder de escolher de quem queremos comprar ou não. Comecemos a ser a mudança que queremos no mundo.
(*) – É professora de Marketing e Comportamento do Consumidor da Universidade Presbiteriana Mackenzie/Campinas.