Marcello Perongini (*)
O tempo é dinheiro, escrevia Benjamin Franklin em 1748, no seu “Advice to a Young Tradesman”. O ensaio almejava explicar que a ociosidade é um custo e, portanto, o trabalho deve ser otimizado de forma a minimizar os desperdícios de tempo, sob pena de tornar os esforços horrivelmente antieconômicos. Nos séculos seguintes, a noção de trabalho e aquela de ociosidade foram evoluindo, até chegarmos aos dias de hoje, em que as identificamos como momentos integrados que permitem a renovação de uma pela qualidade da outra.
Resguardados os gostos de cada um na escolha de seus ócios, sobre os quais não cabe discussão alguma, um trabalho de qualidade deságua em um ócio regenerador, que nos prepara para um novo trabalho. Um pequeno círculo de previsibilidade quase bucólica. Porém, para não sair da metáfora, não há só rosas nesse jardim. Realizar um trabalho significa encarregar-se pela execução completa de suas etapas, do início ao fim, de acordo com as responsabilidades de cada um. Logo, é aqui que encontramos uma variável muitas vezes subestimada e filha órfã da cultura empresarial: a latência.
A latência nada mais é que a diferença de tempo entre o início de um evento e o momento em que os seus efeitos se tornam perceptíveis. Ao gerenciar um projeto, a latência é muitas vezes embutida nos buffers, isto é, aquelas pequenas “gordurinhas” de recursos (tempo e/ou dinheiro, mas principalmente o tempo…) que formam os apêndices de quase todas as tarefas a serem executadas, para que as equipes possam enfrentar os imprevistos.
Mas será mesmo que são todos imprevistos? Abaixo, uma lista de aspectos que precisam ser verificados em todas as fases de nosso trabalho e que estão bem longe de serem imprevisíveis:
1 – Planejamento – “O plano é inútil, mas o planejamento é necessário”. Esta celebérrima frase do então futuro presidente Eisenhower – cinematográfica e um tanto piegas, como só um general estadunidense sabe ser – contém uma verdade profunda: o planejamento de um trabalho materializa o seu resultado para as forças vivas que o executarão. Concentre esforços genuínos em sua realização, pois isto motivará todas as peças móveis da sua máquina produtiva, aumentando as chances de sucesso, com menos retrabalho e sem precisar das vergonhosamente pleonásticas “reuniões de alinhamento”.
2 – Políticas e processos – Se a vida de empresa é tempestade, fazer burradas é um relâmpago (a palavra original não era bem essa, mas nos entendemos…). Todo mundo aqui comete erros. É a coisa mais normal do mundo. Eis então que as Políticas e os Processos da empresa são os registros das soluções às burradas feitas no passado, que devem ser seguidas para não repetir os erros. Às vezes, é verdade, parecem escritas de uma forma que induz propositalmente ao erro, ao invés de evita-lo, mas em máxima parte estão aí para ajudar. Siga a governança e faça as coisas da forma correta da primeira vez. Se tiver que refazer, você estará perdendo tempo e incrementando a latência da sua equipe. Quer levar um chapéu de burro?
3 – Papéis e funções – Até o prazo apertar, toda equipe é lugar de gente fina, disponível e altruísta. Só que essas não costumam ser equipes que funcionam bem quando os papéis se sobrepõem, ou as funções são pouco claras e de contornos lábeis. Ao começar um trabalho, defina o rol de cada componente e deixe bem claras as responsabilidades de cada um. Caso alguém fique com dúvidas (o que é um ótimo sinal de que as pessoas estão procurando equilibrar suas atividades e suas entregas), ajude a resolver o impasse no menor tempo materialmente possível. O risco é paralisar uma parte do trabalho.
4 – Prazos críveis – É desarmante ter que reforçar isso em pleno século XXI, mas todo projeto “para ontem” é apenas a tônica da incompetência de quem pede. A qualidade de qualquer trabalho está baseada na forma geométrica chamada “Triângulo de ferro”: Tempo/Custo/Escopo. Alterar qualquer dimensão do triângulo resulta numa variação também das outras duas. Pouco tempo, significa também alto custo e escopo reduzido. Não seguir essa regra significa minar a qualidade do trabalho.
5 – Negociação dos inputs – Este e o próximo ponto estão em fortíssima correlação com os prazos críveis do tópico anterior. Se não é possível alterar uma das dimensões do triângulo de ferro sem interferir com as outras duas (Tempo/Custo/Escopo), uma boa saída é negociar os inputs. As pessoas muito raramente são más. Na maior parte dos casos elas “parecem” más, porque não conhecem o contexto em que são realizadas as coisas que elas pedem.
Já reparou que as cozinhas das grandes redes de fast-foods estão à vista? É porque as pessoas precisam receber imediatamente duas informações: é limpo e estão trabalhando duro. Isto se traduz em um pequeno input cerebral que diz: vale a pena esperar alguns minutos. Explique de forma essencial, mas precisa, o que você vai realizar e como isto acontecerá. Se necessário, negocie o escopo do trabalho e registre tudo em um briefing. Uma cópia com você e a outra com o cliente.
6 – Priorização dos outputs – “Shit happens”. Esta frase emblemática apareceu na tese de mestrado defendida por Carl Werthmann na Universidade de Berkeley, California, em 1964. O engraçado é que acontece mesmo. Ao longo da execução de qualquer projeto, algo verdadeiramente inesperado pode acabar acontecendo e isso significa que a equipe é obrigada a trabalhar segundo modalidades não convencionais.
É nesse momento que é preciso priorizar as entregas e algo deve ser sacrificado, para deixar espaço para outros resultados mais urgentes. O lado negativo disso é que é muito, mas muito estressante e aumenta a latência da equipe. O lado positivo é que se você seguiu os outros cinco pontos até aqui, é muito provável que a equipe tenha capacidade de resolver o problema com uma solução mais brilhante de quanto você teria esperado. Acredite na sua gente.
7 – Equipes de outputs diferentes não entram em competição – Essa é rasteira. Não há nada de mais perigoso para a saúde de um trabalho que descobrir que duas equipes encarregadas de produzir outputs separados estão em competição entre si. É uma ação deliberada que beira a sabotagem e é imperativo que, se identificada, seja parada e repreendida seriamente.
Nem sempre é culpa de alguém em particular, pois a competição faz parte do jogo, mas este comportamento é a principal causa de feudos de poder, silos de informações não compartilhadas e desalinhamento entre as (e dentro das) equipes. Não incentive isso com ‘jogos empresariais’ ou outras bagatelas do tipo, pois pode lhe custar muito mais caro lá na frente.
8 – A politicagem fica fora da porta – Aqui não se fala de política no sentido de opiniões de voto. A “politicagem” deste ponto é o proselitismo que comumente segue à criação de feudos e silos de informações, que transformam as equipes em uma obra-prima de incomunicabilidade. Não pode haver espaço para comportamentos desagregadores em uma equipe de trabalho. A politicagem tem que ficar fora da porta e ponto final.
9 – Comunique-se – Já se viu um texto escrito para o glorioso povo do Brasil no qual, debaixo de um subtítulo como ‘comunique-se’, não esteja citado o saudoso Chacrinha? Pois bem, comunicar-se e trumbicar-se ganham aqui mais uma menção honrosa. O fato é que, por quanto repetitivo isso possa soar, absolutamente nada é óbvio e a regra fundamental de uma equipe é comunicar. As pessoas não têm como adivinhar o que está por vir e precisam de informações.
Mais que isso, as pessoas precisam ter o tempo de registrar os feitos e os resultados (positivos e negativos) de suas tarefas, para retroalimentar o conhecimento compartilhado e diminuir assim a latência da forma, talvez, mais consistente de todas: as lições aprendidas. Se possível, destaque alguém com o dom da síntese e que saiba elaborar mentalmente o que escreve, para servir de ponto focal para coletar os registros dos acontecimentos significativos (mais uma vez: positivos e negativos).
10 – Ferramentas – Por mais artesanal que seja o seu trabalho, você precisa utilizar ferramentas para obter o resultado esperado. Diversifique o seu parque tecnológico escolhendo com cuidado e mente aberta as ferramentas de produção, comunicação, gerenciamento, edição, entretenimento e informação que a equipe utilizará. Deixe os outros darem pitaco e negocie sempre que possível um período de teste.
Durante o período de teste, tente estressar ao máximo as suas ferramentas com a colaboração – se tiver – do representante comercial do seu fornecedor. Não há nada mais satisfatório que fazer a pergunta certa no momento certo e entender como se comporta o seu fornecedor quando está sob pressão. Não se esqueça que, de base, a baixa latência no seu trabalho é resultado também da confiabilidade dos seus parceiros, sobretudo quando você depende deles de forma irrenunciável.
. Bônus: medição, medição e medição – Um bom resultado não se avalia pelo Cálculo Hipotético Universal Técnico Estimativo (CHUTE). A latência da sua equipe na execução do trabalho deve ser medida continuamente, no maior número possível de pontos: Resultados obtidos, tempo empregado, moral da equipe, turnover, feedback dos clientes e tudo o que der para mensurar e colocar em uma tabela (ou melhor ainda, se as métricas o permitirem, em um painel grandão visível para todo mundo).
Meça tudo o que puder e fique de olho nas variações inesperadas de qualquer indicador. Caso identifique um problema, intervenha logo e sem medo de ter que tomar medidas drásticas. Infelizmente, o mal requer que seja feito de forma rápida, enquanto o bem, você pode fazê-lo ao longo de toda a vida.
(*) – É Editor. MIT Technology Review Brasil