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Os caminhos da inteligência artificial e seu papel nas relações públicas

em Manchete Principal
terça-feira, 30 de maio de 2023

Cristela Reyes (*)

Em meio a todo o hype causado pelo ChatGPT e à revolução que os últimos avanços em inteligência artificial representam, duas coisas são certas: a IA generativa não só já é uma realidade, como é um caminho sem volta; prever para onde ela vai nos levar ainda é um exercício de adivinhação.

Se as ferramentas de inteligência artificial tornam-se indispensáveis com uma velocidade por vezes assustadora, a compreensão sobre como essas tecnologias afetam a nossa sociedade, como devem ser regulamentadas e como podemos evitar os efeitos adversos por elas causados caminham a um ritmo muito mais lento.

No melhor estilo “trocar o pneu com o carro andando”, o mundo todo se vê diante das possibilidades infinitas dos novos avanços tecnológicos em IA e da necessidade urgente de limitar possíveis abusos, e consequências nefastas do mau uso dessas ferramentas.

Recentemente, inaugurando esse tipo de discussão de forma oficial e em âmbito governamental, o governo dos EUA anunciou que está oficialmente solicitando comentários públicos sobre como criar medidas de responsabilidade para IA, buscando ajuda sobre como aconselhar os formuladores de políticas públicas dos Estados Unidos para abordar a tecnologia que já vem sendo utilizada, muitas vezes, de forma indiscriminada nos mais variados setores produtivos da nossa sociedade. No caso do setor de comunicação, as possibilidades, desafios e incertezas deram um salto tecnológico exponencial no rastro do desenvolvimento de IA.

Organizações e profissionais do setor que não estão pelo menos explorando o potencial das tecnologias, aparentemente podem estar ficando para trás. Agências de relações públicas e de marketing, veículos da imprensa e meios de comunicação, em geral, já utilizam ferramentas de IA como braço para criar conteúdos de forma mais rápida e eficiente, minimizando erros humanos em tarefas repetitivas, realizando pesquisas mais amplas em tempo reduzido e até substituindo certos profissionais antes inimagináveis, como a TV Chinesa que estreou um robô (criado com IA) como âncora de um telejornal.

Segundo uma recente pesquisa que realizamos através de redes sociais da MarketCross, 58% dos que responderam à enquete disseram já utilizar IA para análise de dados de suas campanhas de relações públicas, enquanto 67% afirmaram usar o ChatGPT na criação de conteúdos.

Imagem: KENTOH_CANVA

Entretanto, falando especificamente sob a ótica de relações públicas, uma indústria construída sobre o alicerce das interações humanas e conexões genuínas, é crucial termos em mente que parte fundamental do nosso trabalho é feita com subjetividade, sensibilidade e empatia. Talvez por isso, paradoxalmente quanto mais avança a tecnologia, mais importante se torna o fator humano, principalmente levando-se em consideração o quanto as estratégias de RP se apoiam em nuances e complexidades emocionais, elementos (ainda) indecifráveis para as ferramentas de inteligência artificial.

Se é verdade que a tecnologia em IA já é capaz de produzir poemas, canções, ilustrações e até esculturas, também é certo que toda arte produzida por IA é, fundamentalmente, um produto da compilação e ressignificação de obras originalmente concebidas por seres humanos. Ou seja, o limite criativo dos modelos de inteligência artificial está diretamente atrelado à produção artística humana ao longo da história e até dos dias atuais.

Uma das consequências óbvias desse modelo é um possível processo de entropia do sistema de IA generativa como um todo. Por enquanto, a grande maioria dos conteúdos gerados por inteligência artificial têm como matéria-prima conteúdos produzidos por humanos. No entanto, com o aumento do uso dessa tecnologia, a cada dia é mais provável que as ferramentas de IA generativa utilizem conteúdos também gerados por inteligência artificial, iniciando um ciclo de esvaziamento da substância emocional dos conteúdos.

Percepções, instintos, ironias, ambivalências e outras complexidades intrinsecamente humanas paulatinamente perdem espaço para as produções que, apesar de seguirem uma “lógica racional”, não se sustentam do ponto de vista da fundamentação subjetiva. Há ainda outros questionamentos importantes, que envolvem a adoção de IA no trabalho de comunicação e produção de conteúdos, como a questão dos direitos autorais.

Como ainda não existem regulamentações que definem parâmetros para as produções geradas por IA, muitos profissionais já se sentem prejudicados, uma vez que os seus trabalhos são absorvidos, reciclados e utilizados por terceiros, isto sem nenhum tipo de contrapartida. Também existe a preocupação com a falta de transparência em relação à maneira como essas ferramentas são “treinadas”, já que sabemos que muitas vezes elas reproduzem padrões discriminatórios e/ou perpetuam desinformação.

Mais uma vez, falando especificamente sob a ótica das relações públicas, somos os responsáveis pela mensagem que os nossos clientes propagam, tanto do ponto de vista criativo quanto legal. Assim, é crucial que sejamos transparentes com os nossos clientes quanto à maneira que usamos essas novas ferramentas, quais são os seus limites e quais os riscos decorrentes do seu uso.

Imagem: JUST_SUPER_CANVA

As possibilidades trazidas pela IA são virtualmente infinitas e o caminho que o desenvolvimento tecnológico e as regulamentações legais irão tomar ainda é incerto. Como profissionais de comunicação, cabe a nós acompanhar de perto o desenvolvimento das novas ferramentas de IA e participar ativamente do debate em torno delas, ao mesmo tempo em que aprendemos a utilizá-las da melhor forma possível, para aprimorar o nosso trabalho e oferecer os melhores resultados aos nossos clientes.

O que não muda é que o trabalho de relações públicas continua sendo um ato de equilíbrio entre arte e ciência, sensibilidade humana e tecnologia. E que são as relações humanas que verdadeiramente trazem os resultados. A inteligência artificial também concorda. Perguntei sobre a importância do elemento humano no trabalho de relações públicas, e essa é a resposta dada pelo Chat GPT: “Como um modelo de linguagem de IA, o Chat GPT carece da experiência e da intuição humana que acompanham o trabalho na indústria de relações públicas.

Embora eu seja treinado para gerar texto com base em padrões de dados de linguagem, não tenho experiência pessoal com as nuances das relações públicas, como as sutilezas da comunicação humana, o desenvolvimento de relacionamentos com as partes interessadas ou o impacto da cultura e da sociedade na percepção do público.”

(*) – É professora da USAL (Universidade Del Salvador) e foi Diretora de Marketing da Faculdade de TI, ou Formação Oficial e Centro de Certificação da Microsoft, AWS, Cisco É fundadora da Market Cross Company (www.marketcrosscompany.com).