Nora Keite Sampaio (*)
A Internet surgiu em 1969, nos Estados Unidos, com o objetivo de garantir a comunicação segura e independente entre militares e cientistas no contexto da Guerra Fria. Já a primeira chamada de celular foi realizada em 1973, sendo que os aparelhos começaram a ser vendidos a partir de 1984.
As inovações tecnológicas foram exponenciais no contexto da Guerra Fria, muitos aparelhos – hardwares – foram criados e geraram a necessidade de novas fontes de energia que garantissem autonomia para os usuários de aparelhos móveis, assim como avanços em vários ramos da indústria militar e da ciência.
Com isso, a busca por recursos energéticos mais baratos e eficientes foi e continua sendo a demanda estratégica das grandes potências e o que explica um cenário atual com várias tensões geopolíticas que não findaram com o fim da Guerra Fria. Após 1991, ano da desintegração da antiga URSS, os EUA saborearam um período de domínio tecnológico no mundo, mas o avanço chinês foi contínuo, tornando-se a segunda maior economia do mundo em 2010 (atrás apenas dos EUA) e assumindo destaque em setores produtivos e tecnológicos, o que explica a atual Guerra Comercial entre essas potências.
A Vez do Lítio – A corrida tecnológica e energética é a própria disputa pela Ordem Mundial
A demanda por baterias só fez crescer e o setor de tecnologia aumentou os investimentos, principalmente, durante e pós a pandemia, contexto favorável para acelerar a aplicação de recursos para pesquisas em inovação que, por sua vez, aceleraram os avanços do 5G e da própria indústria 4.0.
Nesse cenário, em 2020, na cidade de Davos, o fundador e diretor-executivo do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, recomendou que todas as empresas participantes do encontro se comprometessem com a definição de meta para zerar suas emissões líquidas de gases do efeito estufa até 2050 ou antes.
Esse discurso, alinhado com um compromisso ambiental é, também, ponta de lança para o debate sobre a transição energética, para que a substituição de combustíveis fósseis enfraqueça potências como a Rússia e concentre poder tecnológico e financeiro em países que liderarem a transição de sua matriz energética.
A partir dessa mudança no cenário das principais fontes energéticas, o lítio, que é o metal mais leve do mundo e possui elevado potencial de armazenamento de energia, continua com seu uso na indústria do vidro, aço, cerâmica e ligas metálicas, mas, atualmente, 75% da produção se destina às baterias recarregáveis e não recarregáveis de celulares, câmeras e outros dispositivos móveis, o que indica uma mudança na maneira como os países têm se posicionado sobre o recurso.
Com isso, há um foco em relação à bateria do carro elétrico, que exige maior uso do recurso, cerca de 10 mil vezes a mais do que a quantidade necessária em um celular, de acordo com a Bloomberg NEF, o que fez elevar tanto a produção, o refino e a busca por reservas desse metal.
Neste contexto, a frota de carros elétricos está crescendo no Brasil e no mundo, sendo que a velocidade depende dos preços e da infraestrutura necessária, mas temos o exemplo da Noruega, que emplacou, desde 2021, mais carros elétricos do que a gasolina, deixando o mercado mais otimista e ambientalistas vislumbrando a redução das emissões de gases estufa.
Isso explica a “corrida” pelo lítio no mundo, cuja exploração saltou mais de 60% nos primeiros anos do século 21, devido sua eficiência na fabricação de células de baterias, justificando ser chamado de “ouro branco”. Atualmente, 90% das reservas do lítio no mundo estão na Austrália, Chile, China e Argentina, por isso esse minério é foco de disputas geopolíticas entre o país asiático e os Estados Unidos, as duas maiores economias do mundo e grandes produtores de veículos elétricos.
Os chineses possuem 93 gigafábricas com 75% da capacidade mundial e fabricação de células de bateria; já os EUA contam com apenas quatro, fazendo com que as grandes potências tecnológicas tenham como meta conter o poder chinês, dada a importância estratégica do lítio. A partir de 2013, com o projeto “nova Rota da Seda”, o Belt and Road, lançado por Xi Jinping, a China consolida seu papel de potência global.
A partir disso, o país expande suas relações com a instalação de infraestrutura incialmente na Ásia, mas que se estendeu para os demais continentes, incluindo a América. Com a entrada da Argentina no projeto, a Nova Rota da Seda soma 145 países integrantes, sendo a maioria (44) da África, 42 da Ásia, 29 da Europa, 20 da América Latina e do Caribe e 10 da Oceania.
Com novas maneiras de negociar investimentos estratégicos, a aproximação chinesa com a América do Sul se tornou um projeto de governança, de fortalecimento do sul global e isso passa pela autonomia energética, sendo que a Argentina com suas reservas de lítio pode representar “mais uma casa” no xadrez global.
Oceano Pacífico como rota entre América do Sul e China- A Austrália envia sua produção à China, que tem ampliado a demanda pelo metal. Esse país é o maior produtor mundial de lítio, cerca de três vezes a produção do Chile, o segundo maior produtor. Argentina, Bolívia e Chile formam o chamado triângulo do “ouro branco”, países que concentram mais da metade dos recursos de lítio do mundo.
O metal da região está em salinas, o que implica grande consumo de água em região árida para sua exploração, mas sua posição estratégica e a qualidade do minério irá impulsionar a exploração na região, que em pouco tempo deve superar a produção australiana, tendo como vantagem a rota pelo Oceano Pacífico diretamente para o principal produtor de baterias, a China.
Sendo assim, os países do Triângulo do Lítio – Argentina, Chile e Bolívia -, podem juntos negociar suas importantes reservas e sua estratégica localização e/ou, individualmente, usar o “ouro branco” para adquirir tecnologia de refino neste setor e em outras áreas, aproveitando o grande interesse de potências e empresas não só no minério, mas na disputa de uma Nova Ordem Mundial.
A Guerra Fria terminou em 1991, mas as disputas continuam até os dias atuais e o poder político passa pela economia, tecnologia e energia, tripé fundamental para compreender a corrida por recursos e alianças regionais. Os peões do tabuleiro que souberem “jogar o jogo” alcançarão vantagens e aliados, ao invés de pobreza e algozes.
(*) – É professora de Geografia e Geopolítica do Colégio Presbiteriano Mackenzie, unidade Tamboré.