Paulo Calheiros (*)
O valor estimado para o mercado brasileiro de logística é de US$ 70 bilhões, quase equivalente ao PIB de nosso vizinho Uruguai. Somente este número demonstra a importância que este setor econômico tem na participação da economia de nosso país. Hoje, o principal modo de operação logística no Brasil é o rodoviário. Estima-se que atuem neste ramo nada menos do que 200 mil empresas, concentrando-se nas pequenas e médias o maior número delas. E a geração de empregos no setor é tão relevante quanto a sua participação na economia.
O segmento é também um importante termômetro para a economia, pois seu comportamento depende do número de transações realizadas. Se o varejo vende mais, a indústria precisa produzir mais e, logo, o transporte de insumos e mercadorias também cresce. Se o agronegócio prospera, seus frutos precisam circular em nosso território para atender aos mercados interno e externo.
Esta regra também se aplica em sentido contrário. A retração econômica que porventura atinja os demais setores irá ocasionar impactos no setor rodoviário. Menor movimentação de bens significa menor número de viagens, ou menor rentabilidade. Se neste cenário questões como combustível e manutenção podem variar para baixo, outros custos como tributários e trabalhistas se mantêm, afetando assim a liquidez do negócio.
A estas particularidades do setor de transporte rodoviário soma-se a variável que dominou os noticiários, estudos e projetos do país e do mundo em 2020: a pandemia da COVID-19. As necessárias medidas adotadas em diversos níveis para impedir ou retardar a disseminação do vírus afetaram a economia de forma aguda e imediata.
Como sabemos, em um primeiro momento, no Brasil, toda e qualquer atividade considerada não essencial foi paralisada. Com isso, não somente a movimentação de cargas, mas a própria fabricação de caminhões e implementos se interrompeu.
Os hábitos da população também mudaram. Pouco a pouco, com as restrições de circulação, o comércio eletrônico, ainda visto com desconfiança por alguns, passou a fazer parte dos hábitos do brasileiro. A partir do segundo semestre de 2020, a melhora do número de infecções pouco a pouco se traduziu em menos restrições. Assim, setores como agronegócio e construção civil recuperaram-se antes que o esperado. E, com isso, o transporte de cargas foi voltando à normalidade.
Visando colaborar com essa retomada da economia, o governo também atuou para diminuir os juros e criar estímulos para a renovação das frotas e, diante deste cenário de breve otimismo, o comércio de veículos pesados reaqueceu. Contudo, a produção não acompanhou a demanda, ainda impactada pelos meses de paralisação da indústria e pelos novos protocolos sanitários, gerando filas na aquisição de caminhões zero quilômetro e maior procura por veículos usados.
Em ambos os cenários, obedecendo a mais básica das leis da economia, a expansão da demanda significou aumento de preços. Somaram-se ainda a tais fatores mudanças relevantes na tabela de fretes. Com o início de 2021 marcado pelo elevadíssimo número de mortes no país e as dificuldades da saúde pública em intensificar a vacinação, as restrições de circulação de pessoas e o funcionamento de empresas voltaram a ser aplicadas por todo o território nacional e, com razão, trazem preocupações aos empresários do setor rodoviário.
O preço do combustível, por sua vez, disparou. O valor de mercado dos veículos continua em alta, e se houver nova paralisação das indústrias, uma crise de abastecimento de veículos e implementos se mostra um cenário a ser considerado. Um aumento nas restrições poderá também diminuir o volume de carga transportada e, assim, afetar o faturamento. Neste contexto, as empresas poderão ter sérias dificuldades financeiras e operacionais.
Os financiamentos contratados para aquisição ou renovação da frota se mostrarão mais difíceis para serem cumpridos, e isso em contratos onde a pena para atraso é a perda do bem. Os custos operacionais podem aumentar ainda mais com a inflação. Os investimentos na movimentação de cargas podem diminuir, afetando os fabricantes de implementos rodoviários. Felizmente, em crises globais como esta, diferentemente do que ocorre em uma crise setorial, o ambiente para renegociações se mostra favorável.
Na busca por liquidez, o raciocínio natural em um ambiente de negociação envolvendo inadimplência – minimizar perdas – inverte-se para a maximização de ganhos, trazendo assim maior flexibilidade. O mesmo ocorre em relação a concessão ou revisão de prazos. Instituições financeiras e grandes fornecedores sabem que para os pequenos e médios empresários a imprevisibilidade e a estagnação são muito mais nocivas do que para eles, e fazem concessões.
Em especial para o setor rodoviário, o próprio FINAME já foi objeto de diversos programas de renegociação apoiados pelo BNDES e demais bancos operadores. E não se mostraria razoável inverter essa tendência em um cenário de agravamento da pandemia. Diante disso, a realização de acordos se mostra frutífera no atual momento em que vivemos se comparada com atitudes de ausência de flexibilidade de negociação ou mesmo com a judicialização do problema.
Neste cenário, é fundamental que as partes estejam assessoradas por profissionais com vivência em crises empresariais. Geralmente, a negociação envolve temas complexos, que sobressaem à esfera comercial, por isso a atuação desses profissionais mostra-se não somente frutífera como imprescindível. Discussões referentes à aquisição de veículos e sua retomada por instituições financeiras também podem ser afetadas.
Teses como essencialidade do bem e adimplemento substancial tendem a recuperar força na jurisprudência. E um aumento da inadimplência pode fazer com que se mostre desinteressante a busca e apreensão de bens. Todos esses fatores podem ser considerados tanto em cenários negociais quanto judiciais que envolvam o tema.
Essas rápidas considerações sobre a negociação empresarial são aplicáveis tanto a questões individuais, envolvendo a empresa e um parceiro financeiro ou comercial, bem como a situações em que a negociação terá de ser coletiva, envolvendo por vezes todos os parceiros da empresa, visando evitar o agravamento da crise.
Nos casos em que a empresa não se mostre capaz de cumprir diversos de seus contratos em seus termos originais, as ferramentas previstas na Lei 11.101/2.005 se mostram pertinentes no auxílio ao empresário para se manter no mercado.
A recuperação judicial (assim como a extrajudicial, cuja utilização vem se intensificando de forma saudável após as recentes reformas da lei), apesar do caráter processual que carrega consigo, envolve múltiplas negociações que têm por objetivo a aprovação de um plano de recuperação apto a não somente atender aos interesses dos credores como também possibilitar a continuidade da empresa no mercado.
Assim, vislumbra-se que os empresários do ramo rodoviário têm a sua disposição meios negociais e/ou judiciais para enfrentar a instabilidade resultante do momento pandêmico e, assim, exercer com maior equilíbrio seu importante papel de movimentar a economia brasileira.
(*) – Formado em Direito e pós em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, atua na Mandel Advocacia, referência nas áreas falimentar e de atividades contenciosas e consultivas.