Fabio Almeida (*)
Os condomínios fechados surgiram na história das habitações humanas como um tipo de moradia que busca aumentar a proteção e a segurança de quem neles vive. Com o adensamento das metrópoles, o conceito se desenvolveu no sentido de tornar esses conjuntos habitacionais cada vez mais autônomos em determinados aspectos, caso dos chamados condomínios-clubes — complexos com piscina, sala de ginástica, salões de jogos e outros equipamentos em suas áreas comuns.
O intuito dessas estruturas é claro: o de manter os condôminos o maior tempo possível dentro das dependências do lugar, evitando o tráfego das vias inóspitas do espaço público. Porém, é preciso analisar os impactos dessa constituição populacional sob vieses que extrapolam o da segurança desses moradores. O nível de isolamento dessas pessoas entre os muros dos condomínios que habitam tem consequências não só para elas, mas para o meio como um todo.
A diminuição do fluxo vital fora dos limites desses conjuntos murados, por exemplo, acaba sendo um fator de enfraquecimento das condições de frequentação desses ambientes externos aos ecossistemas fechados. E quem está do lado de dentro de alguma maneira se torna dependente dessa internação, tanto que há analistas que comparam os condomínios a prisões.
Comecei falando de condomínios para estabelecer uma analogia com outra espécie de muramento: refiro-me, aqui, aos walled gardens. A expressão, que em livre tradução significa jardins murados, define a estratégia de atuação de grandes players do mundo digital, que criaram mecanismos para manter os clientes navegando dentro de suas plataformas, em contínua retroalimentação do próprio sistema inclusive em relação ao fornecimento de dados.
Essa, aliás, é uma questão fundamental com a qual se depara atualmente o marketing digital. Um dos grandes desafios das marcas é o de desvendar traços de comportamento de seus clientes e utilizar de maneira eficiente informações sobre hábitos de consumo realizados em meios que têm procurado acirrar seu domínio sobre os fluxos de dados.
O fim do uso de cookies de terceiros, anunciado pelo Google para 2023, caminha nessa direção. De um lado, há toda a questão da privacidade, o maior argumento da empresa para tomar tal medida. Em termos práticos, o rastreamento dos dados do consumidor pelo navegador do Google, o Chrome, ficará restrito a uma base primária. Dessa maneira, os passos dados por esse usuário nos domínios do Google não serão esquadrinhados fora deles.
Por um lado, é uma medida que de fato corrobora com a segurança das informações dos usuários, por aumentar o controle de sua difusão. No entanto, sob outro ponto de vista, força os anunciantes a reverem suas estratégias de coleta e utilização de dados, uma vez que os movimentos de navegação realizados através do Chrome, para ficar nesse exemplo, só poderão ser esmiuçados pelo próprio Google.
Lembremos que, em dezembro de 2020, a gigante de tecnologia foi alvo de uma ação de procuradores de dez estados norte-americanos por abuso de monopólio em anúncios online. Entre as acusações, o Google teria se aliado ao Facebook para reduzir a concorrência pelos anúncios publicitários na web, praticando o superfaturamento das veiculações. Já em 2018, as duas empresas, juntas, detinham 86% do bolo publicitário online mundial, segundo estimativa da publicação portuguesa de economia Dinheiro Vivo.
Por sua vez, uma pesquisa da agência de SEO Hedgehog Digital, em parceria com a Opinion Box, indicou que, em 2021, 88% dos brasileiros utilizaram o Google para fazer alguma pesquisa online. Conforme a analogia feita anteriormente, é como se a maioria dos habitantes de uma localidade vivesse cada vez mais imersa em um grande condomínio murado. Considere, então, a seguinte hipótese: um restaurante das redondezas quer divulgar seu negócio entre os moradores e dispõe, para tanto, de uma série de folhetos publicitários.
Pelas regras desse condomínio, o dono do restaurante precisa deixar os folhetos na portaria, e são os funcionários do conjunto residencial que se encarregarão de distribuí-los aos condôminos e depois fazer os pedidos das encomendas. Tal modus operandi impede o proprietário do restaurante de conhecer a fundo esse seu público-alvo. Ele sabe que ali existe uma demanda, é capaz de mapeá-la enquanto grupo de consumidores, mas fica na dependência de quem os atende “do portão para dentro” para a individualização das preferências.
Algo semelhante passa a acontecer com as políticas de dados dos walled gardens. Os anunciantes que “distribuem seus folhetos” nas plataformas de grandes players como o Google e o Facebook se deparam com limitações para capitalizar as predileções expressas intramuros, uma vez que essas manifestações só chegam ao lado “de fora” depois de filtradas pelo “porteiro”. Como quebrar, então, essa subordinação?
Não é preciso pular os muros, mas sim trazer esses condôminos para fora, para outros espaços. Convidá-los a interagir em novos ambientes, estabelecendo com eles conexões para que forneçam seus dados primários em plataformas próprias, conferindo, assim, um patamar mais avançado de autonomia aos anunciantes.
Sob essa lógica, as empresas precisam revalorizar os próprios sites.
Embora eles tenham perdido relevância nos últimos anos, ainda são importantes para que as companhias sejam localizadas e ali mantenham seus dados sobre serviços e produtos constantemente atualizados, além de poderem realizar ações para a obtenção de e-mails para estabelecer uma comunicação mais personalizada e, com um analytics bem configurado ou mesmo uma DMP instalada, também mapear características?dos seus visitantes.
As redes sociais sempre serão?terrenos alugados, enquanto o site é a casa da marca. O entendimento desses meandros faz parte da disrupção que tem de ser encarada pelos estrategistas das campanhas de mídia digital. E ela traz benefícios, como o da já mencionada segurança e ainda o de uma maior confiabilidade e pluralidade para os dados.
Esse movimento deve contribuir para o amadurecimento do mercado como um todo, além de ajudar a quebrar algumas paredes, democratizando os acessos a esses jardins tão disputados, que são o solo fértil das relações de consumo.
(*) – Bacharel em Administração de Empresas pela Unifei com especialização em Gerenciamento de Projetos pelo Ibmec, é Managing Director da Gamned Brasil (https://pt.gamned.com/).