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O lento avanço rumo à regulamentação dos Trusts no Brasil

em Manchete Principal
terça-feira, 23 de maio de 2023

João Pedro Goetz Volz (*)

A questão dos Trusts no Brasil tem sido amplamente debatida durante a maior parte da última década.

Como uma jurisdição de direito de origem romano-germânica (“civil law”), o Brasil historicamente se esquivou da estrutura de Trust como uma realidade legislativa. Claro, isso está longe de impedir que brasileiros proeminentes usem essa estrutura ativamente em seu planejamento internacional.

A privacidade e proteção de ativos oferecidos pela estrutura têm sido atraentes para indivíduos com alto patrimônio líquido que buscam proteger parte do seu ativo internacional contra riscos econômicos e políticos. O uso de Trusts entrou na consciência política social em 2016, quando conhecidos políticos foram descobertos usando a estrutura em seu planejamento pessoal. Com a anistia fiscal geral concedida no mesmo ano, ficou claro que algum tipo de posição das autoridades fiscais brasileiras seria necessário.

Foi durante esse período que as autoridades, em uma discussão informal de perguntas e respostas, fizeram a primeira incursão nos Trusts: uma simples declaração de que os ativos em um Trust revogável seriam declarados pelos instituidores, enquanto aqueles em um Trust irrevogável seriam declarados pelos beneficiários do Trust

Imagem: Mazirama_CANVA

Desde então tivemos muita especulação, embora um silêncio geral sobre a edição de uma legislação formal a respeito dessas estruturas. Embora a expectativa fosse a de um ato legislativo formal sobre esses instrumentos – e, de fato, várias versões de propostas de atos legislativos foram publicadas –, nada se tornou formal. Isso foi até os últimos meses, quando, em duas ocasiões, as autoridades fiscais decidiram agir por conta própria e contornar a necessária deliberação pelo Congresso.

Por meio desses dois atos, criaram as bases do que está se configurando como sendo a posição da regulação de Trusts no Brasil. O direito internacional é um conceito difícil para a maioria dos países, pois envolve a tradução da realidade internacional para a estrutura jurídica nacional.

Embora os tratados contribuam muito para promover esse aspecto, eles têm sido, em grande parte, limitados a fatos e circunstâncias específicos. Os países tendem a temer abrir mão, mesmo que nominalmente, de qualquer parte de sua soberania.

A maioria das leis internacionais são uma reação regional ao que seus cidadãos estão fazendo no exterior. Foi isso que esteve por trás dos recentes esforços legislativos que afetam os Trusts em muitos países sul-americanos.

Os cidadãos desses países não apenas enviavam seu dinheiro para o exterior, mas o faziam usando vários tipos de entidades que não existiam de maneira semelhante ou equivalente no respectivo direito nacional.

Essas estruturas foram até mesmo escolhidas às vezes por causa de seu sistema jurídico exótico, que conferia aos usuários um ar adicional de defensabilidade. Os esforços para criar uma estrutura nacional para esses instrumentos são extremamente valiosos, pois permitem que os países compreendam melhor o comportamento de seus cidadãos e, aos cidadãos, uma maior clareza sobre como cumprir a lei.

O Brasil não esteve completamente isento de menções aos Trusts em seu passado. Em 2016 e em 2021, houve reconhecimento da estrutura, mas, em ambos os casos, aconteceram em pronunciamentos “semi formais”, e não em um verdadeiro sentido de normatização do instituto.

Essas posições não ajudaram muito a esclarecer o que as pessoas que usam essas estruturas deveriam fazer exatamente, ou foram quase sem sentido em sua compreensão das operações das estruturas.

Imagem: calcassa_CANVA

Isso nos leva às mudanças legislativas mais recentes no Brasil. A “Instrução Normativa RFB n. 2119, de 6 de dezembro de 2022”, modificada ainda em março de 2023, deu o primeiro passo coerente no reconhecimento da existência das estruturas de Trust no Brasil. No artigo 53, seção 5, buscou-se definir quais as partes em um Trust devem ser identificadas quando a estrutura ingressa direta ou indiretamente no mercado brasileiro para investir.

Essa regulamentação buscou identificar os investidores internos e a definição do que seria interesse substancial em direitos econômicos ou autoridade decisória. É importante ressaltar, sempre, que a MP. 1.171 foi a mais extensiva determinação sobre Trusts feita até o momento, Além disso, esta Medida Provisória vai contra à indicação feita em 2016 e permite uma isenção para as pessoas que seguiram a sugestão anterior.

Esta MP também ignora a complexidade e as nuances da Lei de Trust internacional, preferindo, simplesmente, dar um caráter bastante superficial à estrutura. Resta saber como essas medidas serão aplicadas. Como qualquer grande democracia, o Brasil sofre com a divisão entre os seus Poderes e não é surpresa que essas regulamentações sejam atos de agências executivas ou emanados do próprio Poder Executivo, e não de esforços legislativos.

O que está mais claro é que a questão dos Trusts não está mais sendo ignorada pela maior economia da América do Sul, e esclarecimentos e regulamentações adicionais provavelmente seguirão o mesmo caminho nos próximos meses.

(*) – É advogado tributário e sócio da Saint Joseph Trust Company (https://saintjosephgroup.com/en/).