Ronaldo Oliveira (*)
No universo tecnológico, especialmente em um setor financeiro cada vez mais digital – vide a consolidação de fintechs e o surgimento de soluções desenvolvidas para estruturas de crédito no país –, novidades surgem com certa frequência. Como esperado, algumas tendências provocam efeitos práticos e confirmam os benefícios prometidos.
Por outro lado, também temos exemplos de fenômenos mais passageiros, que falaram mais alto pela onda de hype do que se perpetuar verdadeiramente entre o público-alvo. E claro, essa é uma lógica geral. Produtos como o iogurte frozen, os patinetes elétricos, além de hábitos voltados para o consumo, como as compras coletivas, todos surfaram em momentos de explosão de comentários e análises mercadológicas, no intuito de prever se cairiam ou não no gosto popular.
Trazendo o debate para o cerne do artigo, entendo que essa é uma condição replicável ao formato Buy Now, Pay Later, ou simplesmente BNPL. Com a diferença, talvez, de que haja uma oportunidade batendo à porta da modalidade – e um segmento bastante relevante está inserido nesse processo, que é o varejo.
Me recordo quando participei do Web Summit Lisboa, em 2018, um dos maiores eventos de tecnologia do mundo. Na palestra de encerramento do evento, os fundadores de uma empresa de patinetes elétricos, aproveitando o hype do momento, entraram com os patinetes no palco para contar sua história de sucesso. Desde então, confesso que não lembro a última vez que vi um patinete elétrico na rua.
. Um paralelo com o mercado de startups e VC – No mercado de startups e Venture Capital (VC), em termos gerais, passamos por grandes ondas de investimento. Com isso, aparecem oportunidades as quais, eventualmente, podem não corresponder ao tamanho real de mercado projetado no TAM (Total Adressable Market) do pitch da startup.
Além do excesso de otimismo na projeção, não é incomum que suposições sobre o canal de venda, a monetização e/ou o público-alvo acabem se mostrando erradas. Essa é a dinâmica do VC. Muito capital é dedicado para explorar a dor diagnosticada no mercado, na mesma medida, muita tecnologia é criada para resolver o problema.
Temos, logo, um cenário onde todas as startups envolvidas na briga correm contra o tempo para se tornar a grande ’campeã’. Isso é bastante comum, vale mencionar, em mercados com a característica de winner takes all. Com rodadas de investimentos fartas, as empresas ganham mídia e os valuations explodem.
. Onde entra o BNPL – Quando uma onda passa, e não estoura, sempre conseguimos extrair algo de positivo. Esses aprendizados, para empresas que se desenvolveram efetivamente e que ainda possuem fôlego, podem servir de base para que o empreendedor faça o que sabe de melhor: se adaptar. Com o BNPL, a situação não é diferente.
Passado o hype, observamos várias empresas recalculando rotas e juntando forças para encontrar um caminho mais proveitoso, agora, com projeções realistas e mais conhecimento agregado na bagagem. Aproveitando para opinar sobre o papel das fintechs diante o quadro, creio que o foco centralizado na entrega do crédito, se distanciando da recuperação da dívida, pode ter sido um entrave para o avanço do formato.
No Brasil, que já estamos acostumados com o carnezinho e nutrimos um hábito corriqueiro de parcelar tudo no cartão, vender parcelado pode ser muito fácil. O difícil, no fim, é manter um controle estável da inadimplência e evitar a fraude na operação.
. As oportunidades da bancarização – No mercado de startups, é comum medir o progresso de uma empresa pelo MRR (Receita Recorrente Mensal). Empresas de BNPL, geralmente, concentram sua receita em uma taxa de originação, que é contabilizada no momento da concessão do crédito.
Depois do crédito concedido, a inadimplência e outros resultados negativos podem demorar a aparecer, o que oferece tempo hábil para que os números de receita dessas empresas voltem a subir e animem os investidores. Porém, quem trabalha com crédito sabe que, depois que a bolha estoura, é muito difícil recuperar.
Por fim, as melhores empresas dessa safra continuam na ativa. Diversas se juntaram a bancos e outras empresas para unir tecnologias de ponta com inteligência de crédito e capital de quem é especialista no mercado. Outras aproveitaram seus sistemas para se tornar especialistas em determinada fase do crédito, entregando isso ao mercado ‘As a Service’.
Muita tecnologia foi criada e muito conhecimento foi gerado. Com certeza, isso será extremamente útil para o movimento de bancarização de empresas que estamos vivendo. Organizações que criam suas próprias operações de crédito, hoje, possuem mais opções de empresas para realizar a análise de crédito, levantar informações, conduzir as cobranças e melhorar inúmeras frentes de sua operação.
Nem toda tendência é o que parece ser, ou se transforma no que deveria ter sido. Ao contrário dos patinetes elétricos, setores importantes ainda podem extrair um bom ‘suco’ do Buy now, Pay Later, se alinhados com boas práticas de inovação e tecnologia financeira.
E aí, qual será a próxima onda?
(*) – É Founder e CEO da Giro.Tech (https://giro.tech/).