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Mercado, tecnologia e comportamento: tendências e desafios da inovação

em Manchete Principal
terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Renata Horta (*)

O Brasil vive um momento de grande ambiguidade em relação a como a inovação tem sido desenvolvida. O país ocupa, hoje, a 57ª colocação no Índice Global de Inovação (IGI) entre 132 países. Se considerarmos as tradicionais “hélices” que movem a inovação – governo, empresa e sociedade -, vemos grandes diferenças no esforço despendido e este desequilíbrio tem efeitos claros no nosso posicionamento e potencial desempenho em um mundo que está escrevendo as novas regras do jogo.

Empresas e sociedade estão desempenhando um importante papel em manter a inovação no Brasil, pois enfrentam um processo de Transformação Digital que não deixa outra alternativa. Por outro lado, uma forte entropia governamental impede que as estruturas, políticas e investimentos inteligentes avancem e, em muitos casos, um retrocesso foi gerado. Apesar de tudo isso, a visão para 2022 não é pessimista.

O pior já passou nos últimos 2 anos de pandemia e aprendemos muito sobre como fazer e o potencial de geração de valor que a inovação possui. Isso é claramente sinalizado pela pesquisa da CNI (Confederação Nacional da Indústria), por meio da Mobilização Empresarial para a Inovação, que aponta que 71% das empresas de grande e médio porte consideram a inovação muito importante ou importante.

Mais do que isso, 61% das grandes empresas possuem pessoas dedicadas à inovação e 45% possuem orçamento, dois elementos que registram o ganho de comprometimento com a sistematização do processo. Para entender como essa dinâmica da tríplice hélice pode impactar as tendências de inovação, é preciso falar do que vem direcionando a inovação no mundo e consequentemente no Brasil, os desafios nestes contextos selecionados e o que podemos esperar pela frente.

Imagem: xefstock_CANVA

. Transformação Digital e Indústria 4.0 – Digitalização de processos, presença digital, modelos de negócios escaláveis, sistemas produtivos inteligentes e autônomos. As empresas aprenderam os jargões, a direção e estão buscando soluções para se transformarem. Entretanto, o processo efetivo envolve a quebra de muitos paradigmas de gestão e comportamento.

Este processo tem sido conduzido de forma limitada, pouco sistemática e pouco humanizada. A saúde mental se torna um desafio ainda maior, já que as pessoas extremamente pressionadas pelo desempenho e pela pandemia, são pobremente preparadas para trabalhar de uma nova forma.

Ainda vale dizer que temos consumidores que em 2 anos aprenderam a fazer quase tudo de forma digital, novas necessidades foram criadas assim como novos níveis de exigência. Entender essas necessidades, transformar em processos, produtos, serviços adequados e totalmente focados nessas demandas é um pilar central da transformação digital em sua busca por modelos escaláveis.

Neste contexto de inovação em 2022, devemos esperar a busca por novos modelos de estrutura organizacional; novos modelos e processos mais centrados no cliente; Reskilling e Upskilling em todos os níveis da empresa; saúde mental em pauta no contexto da inovação e das empresas em geral, e novas soluções associadas a esta demanda; desafios de engajamento e colaboração; novas profissões e funções; disputa de talentos com outros países para posições remotas e atrasos em decisões de inovação (entre outras) geradas por mudanças de estrutura, time e governança.

Com tantos desafios, as lideranças precisam orquestrar uma rede de ajuda e ações, que tornem o processo de transformação mais sistemático e rápido. Temas como cultura e o papel estratégico da gestão de pessoas deixam de ser intangíveis e passam a ser viabilizadores ou detratores claros do processo.

. Meio Ambiente e Impacto – Grandes organizações e investidores globais estão cada vez mais comprometidos com caminhos que viabilizem a continuidade da vida humana no planeta. Um Survey de 2020 da Global Impact Investing Network aponta um crescimento do investimento de impacto na América Latina e Caribe de 47% nos últimos anos. Esse tipo de interesse reverberou em empresas tradicionais através da pauta ESG.

Assim, o impacto positivo sócio-ambiental se tornou um contexto de desenvolvimento de inovação relevante na atualidade. Alguns desafios importantes são a medição e contabilização financeira do impacto, redução do custo de tecnologias limpas e a maturidade do ecossistema de inovação socioambiental ainda incipiente no Brasil.

O ano de 2022 promete o aparecimento de novas e mais acessíveis soluções para geração de energia, amadurecimento do mercado de créditos de carbono e carbontechs, novas soluções para economia regenerativa sendo investidas e novos processos para processos e resíduos industriais sendo testados.

. Web 3.0 e Blockchain – Apesar de não ter um dono, a internet é dominada por grandes empresas, como Facebook e Google, que estabeleceram e ditaram as regras do jogo até aqui. Governos e sociedade nos últimos anos entenderam como os direcionadores destes negócios baseados em engajamento podem trazer prejuízos sociais tão importantes que merecem uma regulação clara.

A Web 3.0 é um conceito que prevê uma internet mais segura, descentralizada, aberta, confiável sendo estes elementos refletidos nos modelos de negócios. Aqui tudo está em discussão, tudo pode ser repensado e o que não funciona deixado para trás. Se o problema é uma relação obsoleta de trabalho (patrão-empregado) torna-se fácil criar formas de todos participarem do negócio. Neste contexto estamos incubando uma tecnologia “feroz” em seu potencial de transformação mercadológica e social, a Blockchain.

Um dos usos mais conhecidos é a criação de criptomoedas, como o Bitcoin, e mais recentemente Tokens não Fungíveis (NFT). As criptomoedas têm tido um valor predominantemente especulativo, esperamos ver isso mudar com o nascimento de bons negócios em mercados tangíveis nos próximos anos.

Para 2022, podemos esperar uma nova onda de startups explorando mercados em nascimento, ambientes de metaverso em “disputa”, negócios de Cripto gerando valor tangível/ não especulativo, novos serviços financeiros, novas regulamentações buscando segurança e responsabilização dos usuários, além de tecnologias e oportunidades para o varejo.

. Transversais – Além destes ambientes que vêm direcionando ou aquecendo o desenvolvimento tecnológico e de inovações, vale mencionar a Biotecnologia e a Inteligência Artificial como destaque nos próximos anos pelo momento histórico e impacto que poderão trazer. O desenvolvimento em tempo recorde com uma nova tecnologia (RNA mensageiro) da vacina do COVID-19 abre caminho para replicar o uso em outras doenças e é um bom exemplo de como a biotecnologia está em um momento promissor.

A inteligência artificial, igualmente, tem entrado em nossas vidas através de gadgets como a Alexa, diagnósticos médicos ou da geração de recomendações de decisões de negócio. O que ambas têm em comum é o desafio de estabelecer uma atuação ética. A discussão ética tem sido um elemento fundamental para viabilização e sustentabilidade de novos e disruptivos negócios.

Imagem: Mediamodifier de Pixabay_CANVA

Outro transversal importante é o ambiente político e econômico. Em um momento de transformações tão intensas os governos precisam estar prontos a aprender, posicionar, e legislar com agilidade. Esta demanda poderá fazer surgir novas lideranças políticas, inclusive, que saibam navegar melhor em um mundo extremamente transformado.

. Se apropriar das mudanças – A cada doze a dezoito meses, os computadores dobram suas capacidades, assim como as tecnologias de informação que os utilizam e esse fato é um grande propulsor de outras tecnologias e das transformações que elas têm gerado no mundo. Nos últimos anos fomos capazes de perceber um aceleramento das mudanças geradas pelo avanço de novas tecnologias e chamamos o mundo de VUCA ou BANI para descrever a relação que começamos a estabelecer com ele.

Essas tendências nem chegam a ser a ponta do iceberg de todas as mudanças que estão pela frente, e o que podemos fazer é entender as grande mudanças de paradigma, sermos intencionais em nossa seleção própria da tecnologia que fazemos uso (como líderes empresariais, governamentais, ou consumidores) e aprender a viver com menos regras claras: a transformação é a nova regra, mas ela não precisa ser ansiogênica e pode trazer grandes oportunidades.

Neste ano, precisamos descrever melhor os cenários positivos que queremos como humanidade construir por meio da tecnologia.

(*) – É Diretora de Inovação e Conhecimento da Troposlab, empresa especialista em inovação e intraempreendedorismo.