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Manter o equilíbrio mental em uma cidade caótica

em Manchete Principal
segunda-feira, 22 de julho de 2024

Celso Tracco (*)

Viver em uma cidade como São Paulo é, por si só, um constante desafio. Para idosos como eu, diria que é insano. A situação geral do mundo e, em particular, no nosso país já é muito preocupante, mas na megalópole paulistana as tensões cotidianas parecem reverberar muito mais intensamente.

Qualquer situação, seja para lazer ou obrigação, como consultar um médico, exige uma grande dose de preparação, planejamento, paciência e resiliência. Locomover-se em São Paulo, seja a pé, de transporte público ou privado, é tarefa para profissionais; senão, vejamos as alternativas.

Se a escolha for ir a pé, você precisa trajar-se e calçar-se adequadamente. E adequado não significa elegante. Seus pés devem se acomodar em um tênis apropriado para caminhadas por pisos bastante precários. São Paulo é bem conhecida pela qualidade de suas calçadas, que são péssimas.

Prepare-se para encontrar vários tipos de pisos, incluindo a ausência deles. Inúmeros obstáculos desafiarão sua meta: lixo acumulado em lixeiras enormes ou mesmo fora delas, pontos de ônibus semidestruídos, postes em profusão, degraus e rampas feitas de forma aleatória, apropriação indevida do espaço público, além de entradas e saídas de veículos não sinalizadas, onde o veículo sempre tem preferência.

Quanto à vestimenta, aconselha-se usar um agasalho ou moletom sem identificações. Evidentemente, não leve celular, carteira, bolsa, relógio, brincos, anéis ou aliança. Carregue apenas um pouco de dinheiro para que o ladrão que lhe abordar não fique frustrado e perca a viagem.

Leve apenas um cartão de débito e um documento pessoal, pois em caso de atropelamento ou outro acidente do tipo, queda em bueiros mal tampados, você será recolhido pelo SAMU e conduzido a um hospital público, o que facilitará sua identificação. Última recomendação: tenha com você o número de um telefone para emergências.

Agora, se a sua opção for o transporte público coletivo, as exigências e precauções são outras. Primeiro, considere que sua viagem pode levar o dobro do tempo que seu aplicativo indica. Prepare-se fisicamente para viajar em pé e provavelmente apertado. Lugares para idosos existem e estão bem-sinalizados, mas, em geral, já estão ocupados.

Também esteja sempre alerta com seus pertences e programe-se para deixar o coletivo pelo menos uma parada antes da sua. A viagem pode ser tensa, mas as emoções estão garantidas; trate de desfrutá-las, nunca se sabe quando teremos uma nova oportunidade. Ponto positivo: dependendo da sua idade, a passagem e o desconforto são grátis. Use sem moderação.

Por último, se você tomou coragem e resolveu ir com seu próprio carro. Se ele for um super SUV, blindado, com giroflex e sirenes, e você for passageiro, tranquilo. Não importa se você está em uma atividade particular, todos vão pensar que você é uma autoridade e está trabalhando a serviço do bem-estar da comunidade.

Como Moisés abrindo o Mar Vermelho, os sons e luzes produzidos pelo seu veículo obrigarão os infelizes condutores a “espremerem” seus carros, abrindo espaço para sua nobre passagem. Com o ar de enfado, olhe pela janela e observe o caótico tráfego paulistano, que horror!

Mas, se você for um dos milhões de motoristas comuns em um carrinho comum, meus sentimentos. Sofrimento garantido. Que São Cristóvão e o Waze lhe protejam e que você chegue no seu destino, superando todos os obstáculos, na hora aprazada. E ainda como a “cereja do bolo”, você precisa estacionar. Sem problemas, os shoppings centers, como ilhas da fantasia em mares revoltos, estão aí para nos acolher.

Claro, nada é de graça; no caso do estacionamento, dependendo do tempo estacionado, o custo é basicamente o de uma refeição rápida. Baratinho, não é mesmo? Ok, tudo terminado, missão cumprida, todos felizes. Agora é só pegar o caminho de volta para casa. Que você se afaste das tentações, dos motoboys, dos apressadinhos, dos carros de aplicativos, das faixas de ônibus e dos VUCs. Valei-me Waze e São Cristóvão. Tudo vai dar certo.

São Paulo, congestionada, feia, poluída, insegura, mas rica, cosmopolita, moderna e intrigante, em tudo caótica. Como na Esfinge da mitologia grega, é um monstro que traz a morte e destruição para quem não decifrar seu enigma. Decifra-me ou devoro-te. Não conhece a Esfinge grega? Procure pelo mito de Édipo, entre outros feitos; ele derrotou a Esfinge.

Édipo é aquele mesmo que matou o pai e casou-se com a mãe, sem conhecimento do seu passado. Quando soube o que fizera, como penitência, perfurou seus olhos. Quanto a mim, sigo procurando uma quimera, um pouco de tranquilidade e equilíbrio mental neste mundo caótico. Ah, Quimera na mitologia grega era mãe da Esfinge.

(*) – É escritor, economista, teólogo e palestrante (@ctracco).