Tricia Braga (*)
A pandemia acelerou a migração de muitos comércios para o ambiente digital. Especialmente para os pequenos e médios negócios, os marketplaces – espécie de shopping centers virtuais – tornaram-se alternativas mais viáveis, por conta da facilidade em anunciar os produtos na plataforma de um intermediador, que garante infraestrutura e tráfego de consumidores qualificados para alavancar as vendas de produtos e serviços.
De acordo com o 42º estudo Webshoppers, apresentado pelo e-Bit, o e-commerce cresceu 47% no primeiro semestre de 2020, com a criação de mais de 100 mil lojas virtuais por mês, enquanto o número de negócios que atuam em marketplaces cresceu 56%. Os lojistas presentes nesses canais já correspondem a 78% do faturamento do setor.
Além do varejo, o marketplace também tornou-se uma importante ferramenta para a indústria, que não parou durante a pandemia, ao recorrer à disponibilização de um canal de distribuição digital aos seus revendedores e também para compra de matéria-prima de fornecedores. Há, ainda, os marketplaces de nichos, que centralizam vendedores de produtos ou serviços por segmento, em diversas modalidades para revenda (B2B), consumo (B2C) ou atacarejo (B2B2C).
O aumento de empresas atuando nesses canais torna-se mais um expoente na equação do cenário tributário brasileiro, que é bastante complexo e não enquadra os marketplaces em um regime tributário específico. Isso torna as operações nesses canais como um todo – para vendedores, intermediadores e compradores – ainda mais complicadas, com inúmeras variáveis que alteram o cálculo dos tributos.
De forma geral, os marketplaces podem ser enquadrados de duas formas distintas, como intermediador de produtos e serviços ou como revendedor das mercadorias.
Como intermediador, ele é um mero prestador de serviços que conecta vendedores e compradores, portanto, não há incidência de ICMS sob a atividade do marketplace. Sua receita é relativa à intermediação de negócios e geralmente corresponde ao valor da comissão ou preço de serviço prestado.
Para quem atua como revendedor real de produtos de terceiros, existe a incidência do ICMS na atividade do marketplace. A receita está diretamente atrelada à aquisição e revenda de diferentes mercadorias com diversas variáveis, tais como: localização do marketplace (UF), localização do fornecedor e do cliente (UF), se o comprador é pessoa jurídica ou física (contribuinte ou não de ICMS), se o produto é nacional ou importado, o tipo do produto, dentre outros inúmeros atributos.
Todas estas variáveis tornam o cálculo muito mais complexo e, portanto, os enquadramentos e as atualizações fiscais precisam ser refletidos em tempo real aos clientes digitais.
O boom digital com empresas atuando neste modelo desde o início da pandemia aumentou a fiscalização da Receita Federal e das Secretarias da Fazenda (Sefaz) estaduais. Neste período, alguns estados alteraram a legislação para atribuírem responsabilidade tributária aos marketplaces, com movimento liderado pelo Rio de Janeiro, que responsabiliza o intermediador quando este deixar de prestar informações solicitadas pelo fisco, quando o fornecedor estiver em situação cadastral irregular ou quando do descumprimento de obrigações previstas em lei que ocorrem para o não recolhimento do tributo.
Sem entrar no mérito da legalidade desta ação, o fato é que os estados estão intensificando a fiscalização e, por conta disso, o compliance ganha ainda mais importância. O Fisco está atualmente muito informatizado e consegue rastrear toda a cadeia e a jornada do produto de forma rápida, identificando qualquer irregularidade de transação.
Em São Paulo, durante o mês de julho, foi deflagrada a operação Nosbor de combate à comercialização irregular de produtos via Internet. Como resultado, 420 empresas de e-commerce foram notificadas pela Sefaz a apresentarem notas fiscais de aquisição dos produtos comercializados e as notas fiscais emitidas nas vendas para o consumidor final.
Outra mudança ocorrida neste setor foi em relação à Nota Fiscal. A legislação fiscal vigente impôs nova obrigatoriedade de identificação do CPF ou CNPJ do intermediador ou do agenciador de transação comercial em ambiente virtual ou presencial nas notas fiscais eletrônicas e ao consumidor (NF-e e NFC-e, de acordo com ajustes sinief 21 e 22/2020) a partir de abril de 2021.
Para que as empresas estejam de acordo com a legislação tributária, os departamentos fiscais devem se adequar ao compliance para minimização de riscos com atenção a quatro pilares. O primeiro e principal é o cálculo de tributos desde a entrada da mercadoria, afinal, tudo o que chega dentro dos conformes tem tendência de sair de forma correta. O segundo pilar é a gestão de documentos fiscais, uma vez que não adianta calcular o tributo certo se a nota foi emitida incorretamente, ou se não há a validação da nota. O terceiro corresponde à apuração do tributo e geração da guia de contribuição acessória como desdobramento dos pilares anteriores.
O quarto e último fator que interliga todos os pilares é o conteúdo fiscal, que necessita ser atualizado diariamente com todas alíquotas e benefícios, uma vez que a legislação tributária do Brasil tem uma média de 45 alterações fiscais por dia útil, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Nessa tarefa, a tecnologia, por meio de motores de cálculo, surge como aliada para atualizar o conteúdo e automatizar o processo, gerando maior visibilidade e transparência dos tributos em cada transação para todos os elos da cadeia do marketplace.
Com a crise econômica causada pela pandemia, os governos precisarão recuperar a arrecadação, portanto as empresas devem redobrar o cuidado para garantir o compliance fiscal, a fim de evitar prejuízos com a incidência de multas e juros sobre inconsistências no recolhimento, e garantir um caixa saudável para 2021.
(*) – É diretora de Conteúdo da Avalara Brasil (www.avalara.com/br).