Gastão Mattos (*)
A Black Friday (BF) já era a principal data do comércio eletrônico no Brasil, tornando-se um fenômeno interessante de propensão ao consumo. Por não ser atrelada a qualquer data comemorativa tradicional do segmento, sua amplitude, – inicialmente focada no comércio on-line -, expandiu fronteiras alcançando o varejo físico nos últimos anos.
O ano de 2020 marca a celebração de 10 anos da BF no País, cuja ideia partiu do publicitário Pedro Eugênio, do site Busca Descontos. Ele percebeu que no segmento de vendas on-line havia demanda para a criação de datas propensas ao consumo, além das tradicionais datas de varejo como Natal, Dia das Mães, Dia dos Pais e Dia dos Namorados. Havia também o Dia do Consumidor, assim como os aniversários das lojas e liquidações sazonais, como outros artifícios para a promoção das vendas.
Pedro Eugênio apostou num mote improvável e acertou em cheio: buscou uma data tradicional do calendário norte-americano, a Black Friday, caracterizada como a sexta-feira que sucede o Dia de Ação de Graças, ou Thanksgiving Day, (que sempre ocorre na última quinta-feira de novembro). Por ser uma “ponte de feriado” e ocorrer aproximadamente um mês antes do Natal, o varejo americano percebeu que poderia iniciar suas promoções de final de ano neste período, ao aproveitar que as pessoas estariam em folga e, portanto, mais propensas ao consumo.
No Brasil não existe qualquer significado comemorativo para a BF. Trata-se de uma data de consumo que encontrou na necessidade do varejo on-line em antecipar a alta e concentrada demanda de vendas do Natal, cujo intuito era suavizar o impacto de pressão sobre as entregas. Grandes lojas on-line aderiram massivamente à data, permitindo que, em poucos anos, o volume de vendas superasse as vendas do Natal.
O fenômeno atingiu tamanha proporção, que expandiu do on-line para o comércio físico já há alguns anos, até absorvendo os setores de prestação de serviços como venda de manutenção de veículos, ofertas de estadias em hotéis, cabelereiros, venda de seguros, entre outros. Em 2020, além do marco do aniversário de 10 anos da BF no país, a data apresenta um contexto único, caracterizado pela aceleração das vendas por canais on-line face o isolamento provocado pela pandemia do coronavírus: para efeito de comparação, em 2019 a Black Friday representou 17% do volume total de transações no varejo brasileiro.
Somente no período de janeiro a junho, o montante alcançado pelas compras on-line foi de 25% de acordo, com a ABECS (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços). Nos últimos 10 anos, ano a ano, as vendas da BF no on-line superaram expectativas e volumes anteriores. Neste ano devemos ter um salto ainda maior, pois embora observemos a flexibilização no funcionamento do comércio físico nos grandes centros de consumo, teremos mais consumidores adaptados ao on-line, dada sua praticidade e conveniência – além da atual necessidade.
Somado a isso, teremos a chegada de um novo meio de pagamento, o PIX, que se tornará ativo a partir de 16 de novembro, dias antes da BF 2020. O PIX trará uma série de benefícios para consumidores, entre eles mais uma alternativa de pagamento, facilidade e menor custo. Para os lojistas, o PIX traz inúmeros motivos para adesão:
• É operativo 24 horas por dia, 7 dias por semana, com liquidação instantânea. Ou seja, a loja recebe imediatamente o pagamento, tão logo o consumidor autorize a transferência;
• Por sua efetividade on-line, o PIX elimina a necessidade de a loja reservar no estoque o item vendido e espere pela confirmação do pagamento (diferente do que ocorre com os boletos, onde a espera pela confirmação pode ser superior a 48 horas, causando um sério impacto na gestão do estoque em datas promocionais). Um item reservado – e depois não vendido pela não confirmação do pagamento – pode ser uma perda irreversível de faturamento, além dos custos de gestão dos estoques;
• O custo de operação é inferior a qualquer outra forma de pagamento;
• A expectativa de conversão de vendas é superior à do débito on-line – que está hoje na média de 30% (isso mesmo, de cada 10 pessoas que optam por pagar no débito em lojas on-line, apenas 3 conseguem efetivar a transação);
• Potencial de inclusão de novos consumidores nas vendas on-line, afinal quem não tem cartão de crédito ou débito estava, até então, restrito às compras via boleto.
No entanto, existem vários pontos de atenção sobre a iniciação do PIX no comércio:
• Disponibilidade e desempenho transacional: no dia 5 de outubro – data na qual o BC iniciou o processo de cadastramento das chaves PIX – vários transtornos operativos foram observados na performance de uso dos apps bancários devido a prováveis congestionamentos no processo de onboarding do cadastro. Considerando que o fluxo de cadastramento é muito mais simples do que aquele observado no fluxo transacional, uma “luz amarela” paira sobre a possível performance do PIX, uma vez que teremos um consumo fortemente concentrado nos picos das 24 horas da BF;
• Desempenho de adesão: se está clara a alta propensão dos lojistas em ofertar o PIX como forma de pagamento, não se pode ter a mesma certeza da propensão do consumidor em usar esta nova forma de pagar nos comércios. Considerando que os débitos (bandeiras + soluções proprietárias) representam 10% dos pagamentos em lojas on-line e que os boletos somam mais 10% das vendas efetivas, o marco de análise para a performance do PIX em novembro é observar o quanto destes 20% das vendas on-line ele vai absorver em sua estreia de mercado. Para os entusiastas do PIX, 20% é pouco, já para os conservadores, se esta forma de pagamento superar 2% nas formas de pagar na largada já será relevante;
• Validação de todo o processo na cadeia de vendas: não é somente o fluxo transacional do PIX que precisa ser validado, afinal ele vai se “encaixar” em um processo altamente complexo, envolvendo bancos, adquirentes, sub-adquirentes, gateways de pagamento, plataformas, sistemas de gestão (ERP), conciliadores de pagamento, entre outros. Todos os elos desta cadeia precisam estar preparados para a nova modalidade. Será um teste sensível de todo o processo amplo de vendas;
• Segurança: este é um tema muito sensível, pois trata-se de um dos pilares mais importantes no valor entregue por qualquer forma de pagar. No PIX, diferentemente do que ocorre nos cartões de crédito, se uma fraude for observada, o prejuízo não é do lojista e sim do consumidor e/ou seu banco emissor. Assim como a nova forma de pagar despertou interesse de toda a cadeia de valor do comércio, ela certamente será alvo de fraudadores – o que desperta grande atenção dos agentes de segurança, sobretudo ligados aos bancos.
Por todos estes fatores, a BF 2020 será única. Com certeza ela já pode ser classificada como um alvo de interesse para análise e perspectivas para sua evolução no Brasil nos próximos anos. Novos métodos de pagamento, novos hábitos de compra e consumo, e novo público são alguns dos ingredientes que tornarão essa Black Friday histórica, tanto para os compradores quanto para os varejistas – e ambos os lados terão muitas lições para assimilar visando 2021.
(*) – Bacharel em Engenharia com pós em Engenharia de Produção, ambas pela Poli/USP, é líder da IDid no Brasil, plataforma de autenticação de pagamentos (http://useidid.com/).