Marcelo Vieira (*)
Crianças e adolescentes estão cada vez mais imersos na tecnologia, sendo considerados nativos digitais — um termo que descreve aqueles que cresceram em meio à presença constante da tecnologia. No entanto, dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil de 2023 revelam que, embora 99% dos brasileiros entre 15 e 17 anos estejam digitalmente ativos, muitos jovens ainda apresentam limitações em suas habilidades tecnológicas.
Um levantamento da Dell aponta que 37% da Geração Z acredita que a educação formal falhou em prepará-los adequadamente para o mundo digital, e 56% relatam insuficiência em competências digitais fundamentais para a navegação na web. Diante disso, ainda faz sentido definir essa geração como “nativos digitais”, ou seria mais preciso considerá-los “ingênuos digitais” frente à complexidade da sua relação com a tecnologia?
. Nativos digitais: familiaridade não é fluência – Esse fenômeno evidencia uma desconexão entre a familiaridade com o uso de tecnologias e a compreensão crítica de seu funcionamento. Nesse contexto, o termo “ingênuos digitais” pode ajudar a descrever aqueles que dominam o uso superficial de aplicativos e plataformas, mas carecem de uma compreensão profunda sobre algoritmos, coleta de dados e as consequências de suas ações no ambiente online.
Eles navegam com facilidade, porém, desconhecem os mecanismos que sustentam essa experiência digital. Esses jovens são especialmente suscetíveis à desinformação e manipulação online. A falta de senso crítico e de habilidades avançadas de pesquisa digital os torna vulneráveis a notícias falsas, propaganda enganosa e influências prejudiciais.
Muitos também enfrentam dificuldades em aplicar o conhecimento digital em situações práticas, como resolver problemas, desenvolver projetos ou se comunicar de maneira clara. Com uma visão idealizada e irreal do ambiente digital, não compreendem plenamente os riscos e desafios presentes na vida online, como o cyberbullying, crimes cibernéticos e a crescente dependência tecnológica.
. Fatores – Alguns fatores ajudam a explicar esse fenômeno. Um deles é o foco excessivo em habilidades superficiais, priorizando o uso da interface em detrimento da compreensão de sua funcionalidade. Além disso, há uma falta de ênfase no desenvolvimento de habilidades de pesquisa e análise.
Embora a pesquisa online tenha se tornado um hábito, a capacidade de avaliar fontes, identificar vieses e verificar a veracidade das informações é frequentemente negligenciada, o que favorece a disseminação de fake news e a manipulação online.
Outro fator relevante é a desigualdade digital. O acesso à internet e a dispositivos de qualidade varia consideravelmente, criando disparidades no desenvolvimento de habilidades tecnológicas. A falta de acesso adequado a recursos limita a capacidade de compreensão crítica sobre o uso da tecnologia.
Por fim, a falta de investimento em uma educação digital sólida e formação de professores, em recursos pedagógicos digitais de qualidade e em infraestrutura tecnológica adequada, agrava esse cenário, deixando muitos jovens sem a formação necessária para enfrentar os desafios do mundo digital.
. Papel da escola – A educação digital nas escolas tem um papel fundamental no combate à “ingenuidade digital” e na promoção da consciência tecnológica. Para alcançar esse objetivo, a educação digital deve ir além do simples ensino de ferramentas e aplicativos, transformando-se em um processo que desenvolve habilidades essenciais para a participação crítica e responsável no mundo digital.
Ensinar os estudantes a identificar e avaliar fontes de informação é essencial para capacitá-los a distinguir dados confiáveis de notícias falsas, reconhecer vieses em textos e imagens e verificar a veracidade das informações online. Além disso, é essencial incentivar a pesquisa e a análise de dados, incluindo a identificação de padrões, tendências e estatísticas, para que desenvolvam uma interpretação crítica do conteúdo disponível.
A educação digital também deve promover a criatividade e a resolução de problemas, encorajando os estudantes a refletir criticamente sobre as soluções tecnológicas, questionando suas implicações éticas e sociais, e propondo inovações para problemas reais.
. Importância da alfabetização digital – Incentivar a autonomia digital é outro pilar importante. Os estudantes precisam aprender a gerenciar sua identidade digital de forma segura e responsável, cuidando das informações que compartilham e protegendo seus dados pessoais.
Além disso, é fundamental desenvolver habilidades de comunicação online eficaz, preparando-os para se expressar de maneira clara, respeitosa e eficiente em diferentes plataformas, seja por meio da escrita, da fala ou da produção de conteúdo multimídia.
A alfabetização digital crítica deve também explorar a relação entre tecnologia e cultura, indo além do conhecimento técnico e incluindo discussões sobre as influências da tecnologia nas relações humanas, na política, na economia e na cultura.
Estimular a criação de conteúdo digital, como vídeos, animações e blogs, pode impulsionar o pensamento crítico e a criatividade, além de incentivar a comunicação inovadora.
. Papel da família – As famílias também desempenham um papel fundamental na prevenção da “ingenuidade digital” dos filhos. Manter um diálogo aberto sobre os perigos e benefícios da internet é crucial, abordando temas como privacidade, segurança online e os impactos dos comportamentos digitais.
Além disso, é importante ensinar habilidades práticas, como pesquisar, analisar informações e usar ferramentas digitais de maneira crítica, para ajudar os filhos a desenvolver uma visão mais crítica e informada e estabelecer limites e regras claras sobre o uso da internet e dos dispositivos também contribui para um ambiente digital mais equilibrado e seguro.
O futuro dos “ingênuos digitais” à medida que a tecnologia evolui é um cenário complexo, com diversas possibilidades. Por outro lado, se houver um investimento robusto em educação digital e no desenvolvimento de habilidades analíticas, o futuro pode ser mais promissor. O aprimoramento das competências digitais pode abrir portas no mercado de trabalho e contribuir para a ascensão social.
A trajetória que será trilhada depende dos esforços coordenados de governos, escolas, famílias e da sociedade como um todo para promover uma educação digital efetiva e o desenvolvimento de habilidades críticas. O futuro dos nativos digitais está em jogo, e as decisões tomadas hoje definirão o rumo da próxima geração.
(*) – É Professor de Tecnologia Educacional do Colégio Santa Marcelina de São Paulo (https://www.santamarcelina.edu.br/).