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A complexa e polêmica questão dos conselheiros múltiplos

em Manchete Principal
sexta-feira, 26 de julho de 2024

Leonardo Barém Leite (*)

O universo corporativo é extremamente dinâmico e está acostumado a buscar e propor ajustes, inovar, usar a criatividade, discutir, reinventar e testar modelos, conceitos e práticas.

Nesse contexto, vivemos uma questão bastante complexa, que vem sendo muito debatida e gerando polêmica no tocante aos conselhos de administração das empresas brasileiras, e à própria estrutura de governança corporativa nas organizações: a proposta de atuação dos conselheiros múltiplos. A legislação não estabelece parâmetros e/ou limites para a questão, sendo um tema aberto e em construção.

Alguns consultores e operadores do mercado argumentam que o modelo padrão e tradicional de formação de conselhos de administração precisa de inovações, e em grande medida concordamos com essa afirmação, pois é preciso contar com mais membros independentes, com mais diversidade (em todos os aspectos), pessoas preparadas para lidar com novas realidades, oportunidades, riscos e desafios, que apresentem outras visões e experiências, melhorando as análises e as decisões corporativas.

Temos mesmo que usar a criatividade e evoluir, adaptando-nos a novas realidades, como já ocorreu na transição/evolução dos conselhos meramente formais e decorativos (de “antigamente”) para o escopo estratégico que hoje se defende. Contudo, é sempre importante prestar bastante atenção aos contextos, às opções, aos “prós e contras”, aos riscos e, quando necessário, encontrar limites e melhores práticas.

Destacamos, assim, que um dos atuais movimentos da governança corporativa brasileira é a polêmica que envolve a modalidade defendida por alguns, que congrega profissionais que atuam em várias organizações de forma simultânea, conhecida como Conselheiros Múltiplos. O grande receio é de que se abra uma perigosa brecha para conselheiros tão “eventuais” que apenas consigam apresentar palpites e sugestões gerais.

A questão é tão complexa que congrega várias questões que precisamos avaliar, e demanda reflexão profunda e análise um tanto cuidadosa. De forma geral, as empresas reconhecem os benefícios das boas práticas em governança corporativa, e um de seus pilares é justamente a existência, a composição e a força dos Conselhos de Administração, em especial dos independentes, que precisam ser cada vez mais atuantes, mais diversos e estratégicos.

E é natural que sempre surjam ideias para acomodar novas realidades e situações, que sempre devem ser acolhidas e analisadas, antes de serem apoiadas ou criticadas.

Destacamos, assim, pontos positivos e pontos que demandam cuidado, e que nos preocupam (se não forem cercados de cautela), tanto do ponto de vista da organização quanto dos próprios membros dos conselhos, uma vez que não há um parâmetro claro sobre o limite de organizações nas quais uma mesma pessoa consiga atuar (com qualidade e dedicação) de forma simultânea. O tema é realmente aberto e merece aprofundado debate.

Assim como não há um número ideal de membros dos conselhos, e nem de reuniões por mês (dependendo sempre da organização e seu momento), também não se exige que cada membro atue em apenas uma organização. No entanto, é natural que se avalie o que de fato é razoável, em cada caso, e o que pode comprometer a dedicação e a qualidade da atuação.

É recomendável que se evite os extremos, pois se apenas uma empresa talvez seja pouco, para profissionais experientes e que de fato consigam atuar dedicadamente a mais de uma organização, certamente mais de meia dúzia pode ser um perigoso exagero.

O ponto central não é apenas a quantidade de conselhos dos quais cada pessoa participe, nem a sua experiência e competência, mas a própria efetiva disponibilidade de tempo que cada profissional realmente dedica a cada organização, uma vez que vários colegas não atuam apenas como conselheiros, mas também desempenham funções executivas diárias em suas próprias empresas, ou em outras instituições.

Naturalmente, essa questão precisa ser analisada em perspectiva, e considerar diversas realidades e cenários, pois defendemos a boa governança em todas as organizações, sabendo que as realidades e contextos são muito distintos. Conselhos que contem com profissionais atuantes em várias organizações, com perfis diversos, podem ajudar a oxigenar visões e estratégias, e podem ajudar com outros exemplos e “benchmark”, desde que não se corra o risco do exagero.

Entendemos, de início, que a ideia seja boa em alguns casos, mas recomendamos que seja considerada por organizações iniciantes, pequenas, e com baixa complexidade, que, por sua vez, talvez realmente não consigam desde logo contar com profissionais experientes e mais dedicados, precisando encontrar um meio termo.

Em organizações que estejam começando a cuidar de sua governança, ou que sejam muito pequenas e recentes, pode fazer sentido contar com um corpo de conselheiros que atue em muitas posições, dedicando relativamente pouco tempo a cada uma, pois “custarão menos”. Ao mesmo tempo, existem organizações tão maduras em termos de boa gestão e de governança corporativa, que a oxigenação do conselho, com membros que conheçam várias realidades pode ajudar.

Comparando-se a situação de empresas que não consigam remunerar conselheiros para uma atuação “maior/mais dedicada”, e que precisem começar com atuações um tanto eventuais, de todos ou de alguns dos membros do conselho, vemos com bons olhos o esforço de ao menos enfrentar a questão com seriedade, encontrar alternativas, e, efetivamente, começar. Nessa linha, entre a opção de não se ter conselho e ter (ao menos alguns) conselheiros com dedicação reduzida, com pessoas que atuem em múltiplos conselhos, trata-se de um avanço, e que em muitos casos pode funcionar bem.

Como, em certa medida, o montante de dedicação de cada membro de conselho, e o tempo alocado à função, também implica em correspondente remuneração, é natural que se precise customizar esse tema em cada organização, conforme a sua realidade, momento e características. E conforme a disponibilidade de cada organização para investir nesse tema.

O mesmo vale para os profissionais, que, por vezes, podem apresentar conhecimentos e competências fundamentais para uma certa organização, mas que não disponham de muito tempo, e que nesses casos precisem de um sistema especial de menor participação. A atuação de membros de conselho em diversas organizações não é propriamente um problema, desde que se mantenha o sigilo, a ética, e a ausência de concorrência e de conflitos.

A efetiva dedicação exige bastante atenção e tempo, para que se consiga não apenas participar de reuniões e de comitês, mas também poder avaliar profundamente documentos, informações, projetos e cenários. Dessa forma, não somos propriamente contrários aos chamados Conselheiros Múltiplos, mas registramos nossa preocupação com a possibilidade de que, em alguns casos, tais profissionais atuem em tantas organizações que não consigam, de fato, dedicar o tempo adequado a cada caso.

De outro lado, destacamos, também, as possíveis consequências dessa prática para os próprios profissionais, uma vez que todos sabemos que os administradores das organizações assumem (e correm) vários riscos e responsabilidades, que nem sempre são adequadamente considerados e analisados.

Naturalmente, membros de conselhos que consigam efetivamente dedicar tempo e atenção a cada organização, conhecendo não apenas os documentos disponibilizados em reuniões, mas também os seus efetivos números, além das práticas, dos contextos, das rotinas, e dos processos, e com isso os riscos, tem um pouco mais de condições de conhecer a organização. E de ter maior consciência de suas responsabilidades e riscos com a atuação; protegendo-se conforme seja necessário e possível.

A realidade das organizações envolve riscos, e temos que lidar com eles, de forma, que o segredo sempre estará no equilíbrio, e na cautela exercida tanto pelas empresas, quanto pelos conselhos e por seus membros.

(*) – É sócio sênior do escritório Almeida Advogados; e Presidente da Comissão de Direito Societário, Governança Corporativa e ESG da OAB-SP/Pinheiros.