Retrospectiva/2017: O ano dos ataques cibernéticos
Entre tantos avanços na tecnologia atual, o ano de 2017 mostrou, mais do que nunca, os riscos que as falhas de segurança online podem causar em larga escala. Ataques hackers se proliferaram durante todo o ano, atingindo dos simples usuários de sites até grandes corporações e governos. O maior deles ocorreu em 12 de maio, quando o ransomware “Wanna Cry” começou a se espalhar de maneira rápida e avassaladora
Ataques hackers se proliferaram durante todo o ano, atingindo dos simples usuários de sites até grandes corporações e governos. |
Tatiana Girardi/ANSA
Esse tipo de vírus é conhecido por fazer uma espécie de “sequestro” dos arquivos das máquinas infectadas e exigir o pagamento de um valor fixo para “libertar” o equipamento. Ao todo, estima-se que mais de 230 mil sistemas foram infectados, até que um “antídoto” descobriu o problema e controlou o caso. Também houve a divulgação de que diversas grandes empresas e governos sofreram ataques com vazamento de dados – como o caso da Equifax, nos EUA.
Mas o que ocorreu, de fato? Houve um aumento nos ataques ou eles foram mais noticiados? Para o professor de Direito Digital da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Renato Leite Monteiro, o que mais impressionou foi a “magnitude” das ações dos hackers, que foi “bem maior em um número grande de incidentes” do que nos anos anteriores. “Antigamente, os alvos eram menores e eram menos noticiados por isso. No entanto, neste ano, o método dos ataques foi muito mais robusto e, com certeza, tinham fins econômicos. Antes, eles buscavam explorar apenas falhas nos sistemas, sem intuito econômico”, disse Monteiro.
O diretor de ciberinteligência da empresa de Cipher, que cria sistemas de segurança online, Fernando Amatte, segue a mesma linha e ressalta que “o que aconteceu de diferente neste ano é que alguns ataques, que já aconteciam normalmente, foram automatizados, com um volume muito grande e muito rápido de ações”.
“Quando se fala de criminosos, seja na vida realou digital, eles sempre vão pela lei do menor esforço. Ou seja, vão no computador mais vulnerável, como assaltam pessoas nas ruas mais vulneráveis. Só que existem os bandidos mais ousados, que são minoria, mas que são mais especializados. Na tecnologia, há o mesmo cenário”, pontuou.
Segundo Amatte, há especialistas com evidências de que o caso do Wanna Cry foi “um teste que saiu fora controle, algo que ficou muito maior do que deveria”.
Ele explica que, nos casos clássicos de ransomware, os hackers geram um código específico para cada máquina, assim, quando o usuário paga pelo resgate, eles sabem exatamente quem pagou, e liberam aquele código específico.
“Falo de algo que saiu fora do controle porque, no Wanna Cry, todas as pessoas estavam recebendo o mesmo ‘código’. Eles não saberiam quem pagou ou não. Outro fato é que um pesquisador descobriu uma ‘chave’ para desligar o ataque. Se eu estiver no caos, infectando o máximo possível, eu não crio uma chave. A não ser que seja um teste”, explicou Amette.
Ao todo, de acordo com a polícia europeia, Europol, cerca de 33 mil euros foram pagos em resgates por conta do Wanna Cry. Mas o especialista admitiu não acreditar que algum governo esteja por trás desse ataque, porque, se fosse assim, “o uso teria sido diferente e faria mais estrago”. Já para Monteiro, além do ransomware, esse “foi o ano dos vazamentos de dados”.
“Tivemos muitos vazamentos de dados por todo o mundo, o que nos mostra que isso se tornará cada vez mais comum”, criticou. “A nossa sociedade atual é movida a dados, tudo é transformado em dados. É preciso de ter regras mais adequadas e rígidas sobre quem pode e quem terá acesso para gerenciar esses dados”, recomendou. Segundo o professor, essa será a “boa consequência” da série de ações dos hackers, a de “acelerar as discussões, ao redor do mundo, sobre a segurança na rede”.
Os especialistas são unânimes em dizer que uma das melhores formas para se proteger é manter todos os equipamentos sempre atualizados. Isso porque, por exemplo, no caso do Wanna Cry, os ataques foram feitos apenas em sistemas operacionais Windows que não tinham feito a atualização fornecida pela Microsoft.
“Isso não vai evitar 100% que você esteja livre de um ataque, mas diminui muito o risco”, destacou Amatte. Já Monteiro ressaltou que, no caso de usuários simples, a velha dica de não usar uma única senha para todos os serviços é fundamental.
O ano nuclear da Coreia do Norte
Luciana Ribeiro/ANSA
A Coreia do Norte deixou o mundo em alerta durante todo o ano de 2017, com sua série de lançamentos de mísseis e o maior teste nuclear da história, em uma tentativa de atingir, e intimidar, seu maior adversário: os Estados Unidos.
Pyongyang e Washington estão em uma batalha verbal há vários anos, mas a situação se tornou mais grave desde a eleição de Donald Trump à Casa Branca.
Em janeiro, o governo do ditador Kim Jon-un começou a avançar com seus testes balísticos. Após terminar 2016 com dois testes malsucedidos, o líder norte-coreano encerrará este ano com um total de sete mísseis lançados. No dia 3 de setembro, Pyongyang realizou o seu teste mais potente, com o que seria uma bomba de hidrogênio. “A Coreia do Norte avançou no seu objetivo de ser reconhecida como uma potência nuclear. Mas ela não teve pleno reconhecimento por parte da comunidade internacional”, explicou Maurício Loboda, professor de Relações Internacionais da Universidade Mackenzie.
Apesar da unanimidade nas críticas ao redor do mundo, o país manteve o desenvolvimento de seus programas militares. Segundo o especialista, “a Coreia do Norte investiu em programa nuclear como justificativa para conseguir um armamento que consiga ameaçar os norte-americanos a ponto de que eles não ataquem o país”. Por sua vez, na tentativa de sufocar ainda mais o regime-norte coreano, Trump e a União Europeia (UE), além da ONU, anunciaram diversas sanções contra o governo de Kim ao longo do ano. A medida ampliou a retaliação a pessoas, empresa e entidades que mantiverem transações com o país comunista.
No entanto, “a rapidez com que evoluíram os programas de Pyongyang levantou algumas suspeitas, principalmente sobre a China trabalhar ativamente na política nuclear da Coreia do Norte, fornecendo equipamentos”, disse o norte-americano Gordon Chang, analista de Ásia Oriental e o autor do livro “O Desafio Nuclear da Coreia do Norte sobre o risco de uma guerra atômica”. Segundo o analista, o presidente chinês, Xi Jinping, “estaria alimentando o governo de Pyongyang com transferências de armas, equipamentos e tecnologias importantes”.
Os mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs, na sigla em inglês) que o ditador norte-coreano disparou nos dias 4 e 28 de julho, e os quais sobrevoaram o Mar do Japão, foram transportados em lançadores móveis chineses, de acordo com sua teoria. “Esses lançadores móveis tornam a Coreia do Norte uma ameaça real, já que seus mísseis podem ficar escondidos”, explicou o analista. No último dia 28 de novembro, Pyongyang lançou outro míssil balístico intercontinental capaz de atingir o território dos Estados Unidos. Este foi o primeiro teste do tipo desde 15 de setembro e anulou as esperanças de que a Coreia do Norte abra as portas para uma solução negociada para a crise nuclear.
“Para a Coreia do Norte é essencial, faz parte de uma estratégia de sobrevivência, essa política nuclear. O objetivo principal disso é estimar o seu governo frente à população, porque, para eles, é essencial que as pessoas sintam uma ameaça de guerra constante e iminente para que apoie essa política armamentista”, explicou Loboda. Em meio à troca de ameaças entre Estados Unidos e Coreia do Norte, a China passou o ano pedindo moderação aos dois lados. Inclusive, as relações entre China e Coreia do Sul amargaram um pouco depois que Pequim reagiu mal ao desenvolvimento de um programa de testes de mísseis de defesa norte-americanos.
A disputa dificultou os esforços para coordenar uma resposta da região contra o avanço da tecnologia nuclear e de mísseis balísticos da Coreia do Norte. A China, por diversas vezes, chegou a sugerir que a Coreia do Norte interrompesse suas atividades nucleares e que os Estados Unidos, em troca, suspendessem seus exercícios militares na região. No ano de 2017, as ações do governo norte-coreano, assim como as polêmicas declarações do líder da Casa Branca, trouxeram o mundo mais perto de uma guerra nuclear.
“O risco de guerra existe, mas seria ruim para todo mundo. Ela seria devastadora para a Coreia do Norte e teria um custo muito alto para os Estados Unidos”, ressaltou o especialista do Mackenzie. Desta forma, a série de testes não tem passado de meras provocações. “Para os dois lados, não é interessante chegar à guerra”, finalizou Loboda.