Programa de cuidado com saúde mental auxilia idosos com depressão
Um grupo de pesquisadores desenvolveu um programa experimental de assistência a idosos com depressão. Após cinco meses de intervenção em domicílio, 87% dos pacientes atendidos apresentaram melhora significativa nos sintomas, chegando a reverter o quadro depressivo
Pesquisadores desenvolvem abordagem para treinar equipes de agentes não especialistas no atendimento a idosos. |
Diego Freire/Agência FAPESP
O projeto contemplou o treinamento das equipes de saúde e o desenvolvimento de um sistema de interação com idosos para ser usado em tablets. Foram atendidos em domicílio 33 idosos com depressão cadastrados em uma unidade básica de saúde (UBS) da capital paulista.
A pesquisa foi conduzida por pesquisadores do Hospital das Clínicas e da London School of Hygiene & Tropical Medicine e teve apoio da Fapesp e do Medical Research Council do Reino Unido. A abordagem, denominada ProActive, foi desenvolvida durante o Projeto Temático “Cluster randomised controlled trial for late life depression in socioeconomically deprived areas of São Paulo, Brazil”, coordenado por Marcia Scazufca, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
“A depressão em idosos é um problema grave. A escassez de tratamento está relacionada à falta de profissionais especialistas em saúde mental, aos altos custos dos serviços especializados e à dificuldade em se identificar a doença cedo, já na atenção primária”, disse Scazufca, ao contar que o ProActive foi concebido para ser utilizado na Estratégia Saúde da Família do SUS, em que o trabalho é realizado por equipes – em geral formadas por um médico de família, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde, responsáveis pela assistência a famílias residentes em determinado território da área de abrangência do serviço.
O programa se baseia em quatro princípios: cuidado colaborativo, tratamento em etapas, uso de tecnologia e task shifting, abordagem recomendada pela OMS que consiste em treinar não especialistas para executar um novo papel. Os agentes comunitários de saúde foram treinados para liderar a abordagem, realizando os atendimentos aos idosos em suas residências. “Não há outros estudos desse tipo, com idosos, na América Latina. Trata-se de uma abordagem pioneira e de um modelo que pode ser adaptado por outros países que carecem de abordagens mais adequadas para o cuidado com sua população idosa”, disse Ricardo Araya, responsável pela pesquisa na London School of Hygiene & Tropical Medicine.
O uso da tecnologia é uma das inovações do ProActive. Um aplicativo oferece a profissionais de saúde uma plataforma digital de suporte, com recursos que auxiliam nas tomadas de decisão, no acompanhamento de cada atendimento realizado, nas supervisões clínicas e nos contatos de emergência com o supervisor, entre outras funções. Os atendimentos obedecem a uma sequência, começando pela coleta de informações – sobre sintomas de depressão e outros problemas de saúde – a partir de questionários no aplicativo, cujos dados serão usados nas etapas seguintes. Também são exibidos vídeos educativos, que apresentam estratégias para lidar com os problemas da depressão e motivam o paciente a se engajar no seu autocuidado.
“Trata-se de técnicas simples de psicoeducação e de ativação de comportamentos, mas que a literatura mostra que são efetivas para o tratamento da depressão em atendimentos breves”, disse Scazufca. Uma dessas técnicas consiste em apresentar, por meio de um vídeo narrado por uma atriz, a “roda da piora e da melhora”, que ajuda a entender como diferentes comportamentos diante dos sintomas da depressão podem auxiliar o idoso a se sentir melhor ou acabam por piorar sua condição.
Uma animação traz dois personagens com depressão que adotam comportamentos opostos em momentos de maior desânimo: enquanto um decide por telefonar para um amigo ou dar uma volta no bairro e se sente melhor com isso, o outro não faz nada e fica mais desanimado. A narradora sugere que, “para que a roda gire na direção da melhora”, o idoso pense, junto com o agente de saúde, em iniciativas que possam ajudar a se sentir melhor.
O aplicativo também é utilizado para planejar as atividades do paciente entre os encontros. A resposta do idoso na fase inicial determina a frequência do atendimento recebido, que pode ser de oito a 11 encontros ao longo dos cinco meses de intervenção. Os dados resultantes dos atendimentos passam por uma curadoria e são disponibilizados em uma plataforma on-line privada que pode ser acessada por meio de uma interface web.
“Todo o conteúdo do aplicativo foi desenvolvido considerando que os agentes não são especialistas em saúde mental. Eles levam em suas mãos uma ferramenta muito importante para auxiliar nos atendimentos e padronizar as ações”, disse Scazufca. Para a pesquisadora, a abordagem possibilita otimizar os custos para os sistemas de saúde, viabilizando que uma quantidade maior de pessoas seja atendida e prevenindo outros problemas de saúde.
“A depressão tem impactos negativos importantes na qualidade de vida, nos relacionamentos, na capacidade funcional e no uso de serviços de saúde. Além disso, está associada a doenças crônicas comuns no envelhecimento, como diabetes e hipertensão. O que se observa no Brasil e em outros países é que os sistemas de saúde ainda não estão preparados para atender às necessidades de saúde de idosos com depressão”, disse.
Com o sucesso do programa-piloto, os pesquisadores se preparam para a realização de um ensaio clínico para avaliar o custo e a efetividade do ProActive em larga escala e a viabilidade de sua incorporação pelo SUS.