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“Ninguém poderia imaginar que no dia 9 de novembro o Muro de Berlim cairia”

em Especial
terça-feira, 12 de novembro de 2019

A afirmação acima é do professor da USP Marcus Vinicius Mazzari, que estava na Alemanha quando caiu o símbolo mais representativo da Guerra Fria

Claudia Costa/Jornal da USP

Em 9 de novembro de 1989, o porta-voz da ex-Alemanha Oriental Günter Schabowski anunciou a nova legislação sobre viagens do país e, ao ser perguntado por um jornalista a partir de quando, respondeu que imediatamente. O mal-entendido levou uma multidão de cidadãos da Alemanha Oriental, de regime comunista, a dirigir-se à fronteira interna em Berlim, que, munidos de machados, martelos e marretas, puseram abaixo várias partes do longo muro que dividia a cidade, colocando fim ao símbolo mais representativo da Guerra Fria.

Construído em 1961, o Muro de Berlim não apenas dividiu a cidade, como também se tornou o ícone da divisão ideológica em dois blocos políticos antagônicos: o bloco ocidental, liderado pelos Estados Unidos, e o bloco oriental, liderado pela União Soviética. “Esse comunicado foi feito à noite e ainda durante a madrugada muitas pessoas atravessavam o muro”, conta Marcus Vinicius Mazzari, professor da FFLCH/USP, que participou do evento histórico. Mazzari tinha acabado de chegar a Berlim para fazer seu doutorado sobre o escritor Günter Grass, e presenciou a queda e o que viria depois.

Professor Marcus Mazzari. Foto: Reprodução/Jornal de Resenhas

“Cheguei a Berlim no dia 3 de outubro”, relata, comentando que em suas viagens de trem ouvia os cidadãos da Alemanha Oriental falarem sobre o bom momento político. “Mas nenhuma pessoa na face da Terra, nem sociólogos ou políticos, podia prever que o muro cairia em tão pouco tempo”, conta. E acrescenta que, na perspectiva mais otimista, como a de um juiz amigo seu, se as coisas continuassem evoluindo daquela maneira, dali a dez anos a Alemanha estaria unificada.

Para o professor, as mudanças realmente tomaram corpo depois de um discurso realizado, em Berlim Oriental, por Mikhail Gorbachev, bastante contrário à política do Partido Socialista Alemão. Mazzari lembra de um bordão de Gorbachev: “Quem chega atrasado é punido pela história”. O professor diz que a partir daí começaram as reformas na República Democrática Alemã. Claro, diz, já havia muitas manifestações. “Em todas as segundas-feiras as pessoas se reuniam nas igrejas”.

Mas foi depois do discurso “desastrado” de Schabowski que milhares de pessoas seguiram para o muro, e os guardas, sem saber o que fazer, se retiraram. “Ninguém acreditava, mas todos começaram a passar pelo muro.” Mazzari estava lá, onde se encontrou com o professor alemão de Literatura Brasileira Erhard Engler (tradutor de Jorge Amado), que nunca tido ido para o outro lado. “Os alemães, quando chegavam ao lado ocidental, não acreditavam. Era como um sonho. Eles diziam: nós estamos lá, estamos do outro lado”, relata Mazzari.

Algumas cidades da Alemanha Oriental se esvaziaram, entrando em profunda decadência. Foto: Jurek Durczak via Wikimedia Commons CC BY 2.0

No dia seguinte, juntou-se aos professores Mazzari e Engler o escritor Rubem Fonseca, que também estava em Berlim no momento da queda do muro. A recepção, como conta o professor, por parte dos alemães de Berlim Ocidental era muito entusiasmada e hospitaleira. Era uma confraternização de um povo que ficou separado por 28 anos. “Muitas pessoas morreram, e até pouco antes da queda do muro houve mortes de quem tentava atravessá-lo”.

Mazzari ficou em Berlim até julho de 1994, testemunhando as transformações ocorridas. “Muitos jovens migraram para as cidades ricas da Alemanha Ocidental, acarretando vários tipos de problema. Algumas cidades da Alemanha Oriental se esvaziaram, entrando em profunda decadência”, relata. Emprego não era um problema, havia muitos. “Antes da chegada dos alemães do lado oriental, o lado ocidental importava muita mão de obra turca”, contextualiza.

O próprio Estado apoiava essa união, trocando marcos orientais pelos marcos ocidentais, até a reforma monetária que extinguiu o marco oriental. Além disso, o Deutsche Bank injetou muito dinheiro na Alemanha Oriental. Mazzari lembra que, no dia seguinte à queda do muro, os alemães que chegavam pela primeira vez à parte ocidental recebiam de presente 100 marcos ou o Begrüssungsgeld (“dinheiro de boas-vindas”) – o equivalente hoje a R$ 400,00.

Segundo o professor, havia políticos com visões inteligentes sobre o processo de desenvolvimento alemão, como Willy Brandt, que tinha uma posição social-democrata, mais clara que a do próprio chanceler Helmut Khol. O professor cita uma frase repetida por Brandt em todos os seus discursos, “Es wächst zusammen, was zusammen gehört” (“Que cresça junto o que deve crescer junto”), que se tornou um mote de toda a história alemã.

Cidadãos da Alemanha Oriental em fila para pegar os 100 marcos alemães de boas-vindas. Foto: Roehrensee via Wikimedia Commons CC BY-SA 3.0

Apesar de várias tentativas em se evitar o pior, vieram as desilusões. “Desilusões essas que estão na raiz do crescimento atual da extrema direita na antiga Alemanha comunista”, ressalta Mazzari. “O muro caiu, mas não para alguns. Começaram a surgir os conflitos, preconceitos e até piadas, relacionando os alemães orientais como atrasados. Nas universidades, por exemplo, houve uma limpeza. Para ser professor era preciso ser do Partido Comunista, mas após a queda muitos perderam os empregos”.

Ainda hoje, segundo Mazzari, há muito ressentimento com a reunificação. “Grandes intelectuais alemães, como o próprio escritor Günter Grass, eram contra a reunificação na forma tão rápida como aconteceu. Para eles, na verdade, não era uma reunificação e sim a anexação da República Democrática Alemã pela Alemanha Ocidental.” A reunificação foi vertiginosa, nas palavras de Mazzari. Menos de um ano depois da queda do Muro, a Alemanha já estava reunificada, e a primeira grande consequência foi o fim da União Soviética, em 1991.