Livro mostra as verdadeiras origens de Corinthians, Palmeiras e São Paulo
Conflitos étnicos, políticos e econômicos das primeiras décadas do século 20 forjaram as identidades dos principais times paulistanos
Velódromo Paulistano, 1904. Partida no Parque Antártica em 1920. |
Roberto C. G. Castro/Jornal da USP
Com origens muito semelhantes, os principais times de futebol da capital paulista – Corinthians, Palmeiras e São Paulo – tiveram suas identidades elaboradas em razão dos conflitos étnicos, políticos e econômicos das primeiras décadas do século 20. Considerado o “time do povo”, o Corinthians, durante toda a sua primeira década de existência, não contou com jogadores negros. O Palmeiras se tornou o “clube da comunidade italiana” em boa medida para tentar esvaziar movimentos contestatórios liderados pelos anarquistas que agitavam a comunidade ítalo-paulista da época. Já o São Paulo, até hoje visto como “time de elite”, forjou essa marca com o objetivo de arregimentar os simpatizantes do Clube Atlético Paulistano, da Associação Atlética das Palmeiras e do São Paulo da Floresta, quando esses clubes desistiram de manter equipes de futebol.
As razões que contribuíram para os times paulistas adquirirem sua imagem atual estão reveladas no livro Cego é Aquele que Só Vê a Bola, de João Paulo França Streapco, que a Editora da USP (Edusp) acaba de lançar. Com título extraído de uma frase de Nelson Rodrigues no livro À Sombra das Chuteiras Imortais, a obra é resultado de uma dissertação de mestrado apresentada pelo autor ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
No livro, Streapco mostra também que os principais clubes de futebol foram alvo do interesse das elites paulistanas desde a primeira década do século 20. “Os grandes industriais italianos financiaram o Palestra Itália (hoje Palmeiras), assim como o vereador Alcântara Machado e empresários de origem suíça e espanhola ajudaram o Corinthians, e Ademar de Barros e outros empresários brasileiros ajudaram o São Paulo”, escreve o autor.
Streapco destaca ainda que o futebol foi apropriado por todos os grupos sociais de São Paulo ainda na virada do século 19 para o 20. “A ideia de que o futebol era um esporte de elite e que só se popularizou a partir da década de 1910 não procede, e tudo indica que, quanto mais importante se tornava para a população da cidade, mediante diversas ressignificações, maiores interesses despertava, inclusive o da geração de lucro por meio da organização de campeonatos.”
Por essa razão, continua o autor, não faz sentido falar em profissionalização apenas na década de 30, como se costuma pensar. “Em um sistema de entretenimento competitivo como um campeonato, a especialização dos envolvidos e sua consequente profissionalização decorrem das exigências de um público que paga ingressos e quer assistir a espetáculos excitantes”, analisa Streapco.
Em função da pressão dos jogadores, os dirigentes das entidades que controlavam o futebol na época – os clubes, as ligas e a Confederação Brasileira de Desporto (CBD) – foram obrigados a adotar o regime profissional. “Até então, as relações entre eles e seus jogadores eram semelhantes às relações estabelecidas por empresas que exploram seus empregados até o limite, pagam péssimos ordenados, tornam as condições de vida dessas pessoas precárias e promovem a proletarização”, escreve Streapco, lembrando que os clubes se aproveitaram dessa situação para enriquecer. “Em São Paulo, o patrimônio dos clubes foi construído à custa dos esforços desses jogadores até os anos 1930.”
Na primeira parte do livro, Streapco esboça um amplo quadro das origens do futebol em São Paulo, apontando os espaços utilizados na cidade para a prática do esporte e discutindo a questão da profissionalização do jogador. Na segunda parte, dedica capítulos específicos para contar a história de Corinthians, São Paulo e Palmeiras.
Cego é Aquele que Só Vê a Bola – O futebol paulistano e a formação de Corinthians, Palmeiras e São Paulo, de João Paulo França Streapco, 248 páginas, R$ 48,00.