Desafios para o cumprimento do Acordo de Paris
Como um dos países mais sensíveis às mudanças climáticas, o Brasil tem grande interesse no acordo multilateral que entrou em vigor no dia 4 de novembro do ano passado
Mas, a exemplo de muitos outros, enfrenta o dilema usual entre diminuir as emissões de gases de efeito estufa e manter um nível satisfatório de crescimento econômico.
A maior parte dos dilemas, como se sabe, nasce de uma visão por demais parcial da situação. Não é possível pensar nem que a economia do país e suas demais atividades chegarão por milagre a um nível banal de emissões nem que poderemos manter o patamar atual, quando há um enorme potencial de mudanças à disposição das empresas, dos cidadãos e do setor público.
Um dado a favor da perspectiva de redução das emissões, a ponto de frear o aquecimento global e manter a temperatura média do planeta de 1,5 °C a 2 °C acima dos níveis pré-industriais, é que a assinatura do Acordo de Paris pelo Brasil dá a esse diploma o status de tratado internacional. Segundo Karin Kässmayer, doutora em meio ambiente, e Habib Jorge Fraxe Neto, especialista em direito ambiental, a incorporação às leis brasileiras dos parâmetros acertados em várias conferências do clima, e sacramentados nas reuniões de Marrakech (7 a 18 de novembro de 2016), abre caminho para que ações efetivas sejam adotadas.
Os dois são consultores do Senado e assinam o Texto para Discussão A Entrada em Vigor do Acordo de Paris: o que muda para o Brasil?. O estudo apresenta um painel sobre os aspectos legais do novo protocolo do clima e as possibilidades de o Brasil apresentar progressos nos setores nos quais se comprometeu a atuar para reduzir o volume de carbono ou substâncias equivalentes: energia, mudança no uso da terra e florestas, agricultura, indústria e transportes.
“(…) quanto à necessidade ou não de alteração da PNMC [Política Nacional de Mudanças Climáticas], importante ressaltar que o Brasil ratificou o Acordo de Paris em setembro de 2016, internalizando-o em seu ordenamento jurídico. Entendemos que, ao se tornar o acordo norma jurídica interna, a PNMC merece apenas ajustes pontuais, a fim de que o novo regime aprimore e atualize os compromissos assumidos”, afirmam os autores do texto.
O maior desafio, portanto, não é jurídico-legal, mas de materialização das metas apresentadas ao concerto das nações em programas e iniciativas empresariais. Observam os dois estudiosos: “Sua implementação [do acordo] envolve desafios no fortalecimento de uma matriz energética que reverta a tendência dos últimos anos de aumento no uso de combustíveis fósseis nos transportes e na geração termelétrica, bem como na consolidação de medidas para eficiência energética. No caso dos transportes, as soluções para mitigação dependem, sobretudo, da otimização da mobilidade urbana por meio do transporte de massa e do aumento do uso de biocombustíveis”.
Os consultores observam que o aumento da taxa de desmatamento, em quase um quarto, entre 2014 e 2015, apesar da recessão econômica, “acende uma luz amarela”. E apontam para “a necessidade de robustos aportes orçamentários às políticas de comando e controle”. Tanto o sucesso no controle do desmatamento quanto das políticas de pagamento por resultados na conservação florestal dependerão, advertem os autores, de “maior participação de atores locais e regionais na sua elaboração e execução”. Um complicador é que, tradicionalmente, a União centraliza “a maior parte das tarefas e dos recursos a elas associados”. Outro front no qual é imprescindível investir: a participação dos setores agrícola e florestal nesse esforço.
Com a frase “Um longo caminho a percorrer”, Karin e Fraxe Neto resumem as perspectivas de implementação das metas para a agropecuária reunidas no chamado Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que precisa ter “ganho de escala” em programas como o de recuperação de pastagens degradadas; integração lavoura-pecuária-floresta e sistemas agroflorestais e plantio direto; fixação biológica de nitrogênio; florestas plantadas; tratamento de dejetos animais; e adaptação às mudanças climáticas. Os autores recomendam “apoio aos produtores rurais por meio de assistência técnica” e “uma estrutura de financiamentos adequada e atrativa”.
As melhores intenções e leis, entretanto, podem esbarrar na complexidade e nas incertezas de um acordo cuja novidade é a apresentação de metas voluntárias (e desiguais nos prazos para concretização), o que abre a chance do comportamento do tipo “carona”, da parte de quem prefira deixar o dever de casa para o vizinho.
Assinalam os consultores: “Apesar de se apresentar como um acordo de alcance universal, vinculante e gerador de obrigações a todos os Estados, muitas de suas disposições são de natureza pragmática ou indicativa e as metas, agora vinculantes e constituindo as contribuições nacionalmente determinadas (NDC, na sigla em inglês), são autopropostas, díspares entre si, mas que representam metas concretas e autônomas, em consonância ao princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas à luz das diferentes circunstâncias nacionais”.
O que Karin e Fraxe Neto explicam em seu trabalho é que, se o estabelecimento de metas próprias para cada realidade nacional pode facilitar o ingresso no acordo, exige um esforço maior, do ponto de vista científico e político, para que, no plano global, esses esforços se somem de maneira minimamente coerente e produzam resultados concretos de redução das emissões.
Tanto o equacionamento das metas quanto o controle da sua aplicação e dos resultados dependem ainda do estabelecimento de regras, parâmetros de medidas e detalhamento técnico para que os responsáveis por acompanhar o acordo tenham o mínimo de segurança sobre onde estão pisando. Questões como a das bases do comércio de carbono e do pagamento por serviços ambientais, o chamado Reed, estão entre os aspectos a serem mais precisamente definidos (Em discussão/Agência Senado).