Cora Coralina é inspiração para artesãs e doceiras na Cidade de Goiás
“Minha vida…/Quebrando pedras/ e plantando flores./Entre pedras que me esmagavam/ Levantei a pedra rude/ dos meus versos”
Artesãs e doceiras da Associação Mulheres Coralinas. |
Andreia Verdélio/Agência Brasil
Ao conhecer os versos de Cora Coralina, a artesã Ivana dos Passos Souza, de 50 anos, moradora da Cidade de Goiás, deu um resignificado à sua vida e fez da força da poetisa sua própria força.
“Quando a gente lê os livros e vê como foi a vida dela, o quanto foi uma mulher dinâmica, por tudo que ela passou, as dificuldades, e foi crescendo, acabamos vivendo um pouco do que ela viveu. Cora foi uma mulher muito forte e conseguia passar isso para o papel. Quando alguém está com algum problema, as mulheres conversam e vamos pegar a força de Cora, ela poderia ter desistido, mas continuou”, disse Ivana.
A artesã faz parte de um grupo de 50 mulheres da Associação Mulheres Coralinas que, em todo encontro, leem um poema de Cora Coralina e conversam sobre ele. Além de ser uma rede de apoio, por meio da associação elas agregam valor com a poesia de Cora ao artesanato que produzem. Ivana faz bolsas de tecido e consegue vender mais as que são bordadas com poemas da poetiza. “Se não tiver a frase, não vende.”
Diferente de Cora Coralina, que além dos versos encantava as pessoas com seus doces glaceados, Ivana não é “muito chegada a fazer doces”. Mas teve a oportunidade de aprender a fazer o alfenim, doce tradicional da Cidade de Goiás, na oficina de gastronomia oferecida pelo 20º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), ocorrido na última semana na cidade.
Hoje, apenas uma das antigas doceiras da cidade, dona Silvia Curado, sabe fazer o doce, que leva açúcar, limão e água, além do amido de milho ou polvilho, para dar liga. O culinarista regional Rafael Lino foi quem ensinou as cerca de 15 mulheres a produzir o alfenim.
Rafael aprendeu a receita quando morava em Goiânia. É um doce melindroso de se preparar, que se come mais pela beleza que pelo sabor, segundo Rafael. “Ele tem que ser trabalhado rápido e requer certa criatividade artística. O alfenim é diferente, não pelo gosto, mas pelas artes”, disse, revelando que sabe moldar copos de leite e pombinhas de alfenim. É um doce de origem árabe, trazido pelos portugueses ao Brasil e seu nome significa “brancura”.
Para o culinarista, o resgate que a associação faz, é, antes de tudo, de identidade. “São
mulheres que, por uma circunstância ou outra da vida, tiveram que deixar o cargo de dona de casa e ir para mercado de trabalho. E fazer isso, depois dos 40, é difícil. Então, a associação diz: volte às suas origens que você vai conseguir o seu sustento”.
estudioso da culinária goiana conta que muitos dos doces feitos na Cidade de Goiás são reinvenção dos doces portugueses, como o famoso pastelinho. Mas alguns são criações locais, como o doce de melancia cristalizado e o limãozinho recheado com doce de leite. Segundo Lino, Goiás absorveu muito da culinária tropeira no jeito de produzir alimentos de fácil conservação. São três os tipos de doces secos feitos na cidade: as passas, os cristalizados e os glaçados. A técnica dos glaçados é muito antiga e seu aprimoramento se deve graças a Cora Coralina, que fazia esse tipo de doce.
Mulheres Coralinas
Ebe Maria de Lima Siqueira, professora de literatura da Universidade Estadual de Goiás.
A professora de literatura Ebe Siqueira, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), é a presidente da Associação Mulheres Coralinas, criada há dois anos. A entidade nasceu como projeto para o empoderamento de mulheres, como iniciativa de combate à violência. “Agressões de todo
porte, inclusive essa violência simbólica que a maioria das mulheres vive”. A fonte inspiradora é Cora Coralina, justamente porque foi uma mulher que venceu muitos obstáculos em função do empreendedorismo “Poetisa e doceira, ela teve de romper estruturas arcaicas em cima dela, e fez isso com a força do trabalho”, afirmou Ebe.
A proposta da associação é resgatar as tradições da cidade. Na banca das Mulheres Coralinas, no Mercado Municipal, há doces e artesanatos de diversos tipos, tudo aliado aos versos de Cora. “É uma tentativa de fazer com que o capital cultural se converta em renda e prazer para essas artesãs”, disse. Segundo a professora, algumas mulheres também fazem parte de um projeto de vocalização da poesia de Cora, participam de oficinas na UEG e fazem apresentações públicas pela cidade.
Além da oficina de gastronomia, durante o Fica, a associação promoveu oficinas de artesanato e poesia e uma apresentação cultural de poesia. “Fazemos essa programação durante o Fica porque é um evento que ultrapassa a questão do cinema, é uma atividade que tenta resgatar tudo que temos de arte na cidade, com a possibilidade de fazer com que a cultura circule”, contou a professora Ebe. O Fica é uma realização da Secretaria de Educação, Cultura e Esporte, do governo de Goiás
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