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Casamentos via internet podem expor brasileiras a abusos

em Especial
segunda-feira, 15 de julho de 2019
Casamento 1 temproario

Casamentos via internet podem expor brasileiras a abusos

Dificuldades culturais, extorsão e violências são alguns riscos dos casamentos interculturais realizados via internet

Casamento 1 temproario

O ambiente virtual aproxima culturas e dissipa fronteiras, promovendo novos padrões de interação social. Foto: Arte sobre fotos de Marcos Santos/USP Imagens

 

Tainá Lourenço e Rita Stella/Jornal da USP

Brasileiras podem ser usadas como trampolim por alguns homens estrangeiros que buscam refúgio de crises de seus países, ficando expostas a vários tipos de abusos. O alerta, principalmente para relacionamentos estabelecidos integralmente via internet, vem da psicóloga Flávia Andréa Pasqualin, que pesquisou o tema em seu doutorado pelo Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.

O estudo foi realizado a partir de diversas fontes de pesquisa (blogs, sites, casais interculturais e observações presenciais em comunidades estrangeiras no Brasil) e comprovou o potencial da rede mundial em facilitar esses encontros. A ideia era entender as adaptações que ocorrem no casamento intercultural, realizado entre uma brasileira e um estrangeiro. O ambiente virtual, segundo Flávia, aproxima culturas e dissipa fronteiras, transformando-se num novo meio de comunicação que, por sua vez, “promove novos padrões de interação social”.

A liberdade oferecida pela tecnologia, continua a pesquisadora, incentiva, por exemplo, pessoas tímidas a se exporem, apresentando-se como gostariam de ser vistas, o que faz do “espaço cibernético uma dimensão constitutiva de uma sociedade onde sujeitos se constroem e atuam”. E é nessa maré de encontros e desencontros que “uma parcela das brasileiras têm procurado pelo homem ideal”.

Somado às facilidades da comunicação virtual, o idealismo cultural é apontado pela psicóloga como mais um ingrediente a fomentar a situação. “Existem estudos como os da antropóloga Miriam Goldenberg que apontam que o marido ainda é um bem valioso para muitas brasileiras e muitas delas dizem que falta homem no mercado”, comenta, justificando a busca dessa opção no exterior.

Flávia cita também o Complexo de Cinderela, descrito no livro de mesmo nome da norte-americana Colette Dowling. O livro descreve o medo que muitas mulheres têm da própria independência e o desejo de serem protegidas e cuidadas por um “príncipe encantado”. Para a pesquisadora, esse sentimento de impotência está “tão aculturado entre as mulheres que elas nem o reconhecem mais” e buscam alguém para cuidar delas, pois crescem desacreditadas de suas competências para “assumir as rédeas da própria vida”.

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O casamento é visto como oportunidade para obtenção de um passaporte brasileiro. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Do sonho ao pesadelo e sofrimento
O estudo mostrou que casamentos interculturais realizados de forma integral pela internet, com quase nenhum período de convivência presencial, apresentam grande potencial de terminar em “enfrentamento de altos níveis de dificuldades, incluindo brasileiras vítimas de vários tipos de abusos”. O resultado justifica alerta do Ministério das Relações Exteriores, publicado em seu site na forma da cartilha Relacionamentos virtuais com estrangeiros.

O próprio ministério adianta que esses abusos vão desde cárcere privado a comportamentos agressivos. Também é frequente maridos estrangeiros mudarem completamente de comportamento logo após a formalização do matrimônio, “tornando-se agressivos e manipuladores ou interrompendo repentinamente o contato com as vítimas, após obterem visto de permanência no Brasil.”

A psicóloga dá exemplo de casos de homens muçulmanos que, após a “Primavera Árabe”, saíram de seus países em busca de uma nova vida. Ela afirma que o casamento é visto como oportunidade para obtenção de um passaporte brasileiro que é “vantajoso porque permite a entrada em muitos outros países”.

Além do passaporte, a pesquisadora alerta ainda para crimes de extorsão financeira. “Outros buscam, virtualmente, apenas extorquir dinheiro mesmo, o que também é um alerta. Homem proveniente de um país tradicionalmente islâmico jamais irá pedir dinheiro para uma mulher porque isso não faz parte da sua cultura.”

Para evitar relacionamentos difíceis, extorsão e abusos, o próprio ministério recomenda, por meio de sua cartilha, que as mulheres busquem conhecer as práticas e leis sobre seus direitos em casos de matrimônio no país de origem do futuro cônjuge antes de embarcar no relacionamento online. O ministério também incentiva a busca de informações com terceiros a respeito do cidadão estrangeiro, assim como evitar o contato exclusivamente por meio da rede antes do casamento.

A pesquisadora conta que não chegou a conversar com nenhuma vítima de abuso, embora essa existência seja apontada pelo Ministério. Segundo ela, esses casos são bastante problemáticos e se dão com bastante sigilo. Contudo, ela relata que conversou com mulheres que passavam por dificuldades de adaptação cultural como, por exemplo, o isolamento social que viviam no país estrangeiro por não dominarem o idioma local, e, muitas vezes, o próprio inglês.

Há casos em que a comunicação com o parceiro se deva por tradutor online. “Também tive conhecimento sobre os inúmeros casos de brasileiras que enviavam dinheiro para o exterior na expectativa de que o parceiro virtual viesse ao Brasil ou para ajudá-lo em seus problemas familiares mas depois esse homem desaparecia. Ao defender as precauções do ministério, a pesquisadora da USP afirma que “não se trata de negar a utilização das tecnologias na busca de um amor ou de novas vivências, uma vez que o mundo virtual é uma realidade.

Mas é preciso saber utilizar estes novos recursos de maneira correta, seguindo orientações de especialistas, os quais sugerem cautela e cuidado na exposição de informações e intimidades e, principalmente, não só investigar a conduta da pessoa com quem está se relacionando, como também buscar conhecer a religião com pessoas capacitadas para isso”.