Acesso dos pobres à água só é possível com controle social, dizem especialistas
Devido ao rápido crescimento urbano, as populações das cidades enfrentam o desafio da desigualdade no acesso à água e saneamento, onde os mais pobres são os mais vulneráveis
Sessão especial: Pobreza urbana e Água, durante o 8º Fórum Mundial da Água, |
Para universalizar esses serviços públicos essenciais, especialistas afirmam que a gestão participativa e o controle social dos recursos são necessários para criar um sistema sustentável.
Para o presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento, Aparecido Hojaij, os grandes problemas de saneamento ocorrem por falta de políticas públicas adequadas, que deveriam ter a participação da sociedade na sua implementação. “O controle social e a regulação dos serviços é o fator principal para avançar e resolver os problemas, buscando alternativas para as diversas regiões, as políticas não podem ser as mesmas”, disse.
Hojaij contou a experiência da cidade de Porto Alegre, onde o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) desenvolveu um programa social de consumo responsável da água. Segundo ele, a empresa atende ocupações irregulares, onde existem perdas de água, instalando hidrômetros e rateando os custos entre os consumidores, tudo acompanhado pela própria comunidade.
Paralelo a isso, existe um trabalho social, de educação ambiental, de conscientização da importância da água. O programa já atendeu 32 mil pessoas em 19 comunidades de Porto Alegre. “Precisamos investir em pessoas, precisamos dar poder para as mulheres e os jovens e trabalhar conjuntamente”, disse a representante da Parceria Global pela Água, Mukta Akter, de Bangladesh, contando sobre o trabalho da organização na capacitação e desenvolvimento da liderança dos jovens.
Segundo ela, 25% da água do município são demandadas pelas mulheres e 30% pelos jovens. “Eles são os que mais usam água e precisam ser levados em consideração para sabermos de suas necessidades específicas”, disse. Mukta contou ainda que os pobres na área urbana de Bangladesh chegam a 30% da população. “A falta de fornecimento de água faz com que as pessoas mais pobres sofram com isso, tanto em qualidade como em quantidade. São os mais vulneráveis”, ressaltou. A especialista disse ainda que os investimentos são insuficientes e que há 30 anos a rede de água e esgoto não é renovada no local. “Os planos já têm sidos desenvolvidos, mas a implementação precisa começar imediatamente”.
Durante a sessão especial Pobreza Urbana e Água, realizada ontem (21) no 8º Fórum Mundial da Água, representantes de governos locais, concessionárias, ONGs e grupos comunitários trocaram experiências sobre como diminuir a lacuna na prestação de serviços de água e saneamento nas cidades. Para a diretora executiva da instituição Saneamento e Água para Todos (SWA, na sigla em inglês), Catarina Albuquerque, é preciso olhar quem está sendo deixado para trás no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e reverter os investimentos para eles. “Esses que estão sendo esquecidos serão os mais pobres e vulneráveis”, disse.
As estratégias para levar água e saneamento para todos precisam ser traçadas pelos governos, mas, para Catarina Albuquerque, todos precisam ser ouvidos. “As organizações da sociedade civil precisam ter partes iguais nessa luta. Todos têm algo a contribuir para achar e eles devem ser ouvidos por estar mais familiarizados pelas necessidades”.
Povos indígenas “ensinam” que água deve ser reverenciada
Tratando a água como um membro da família e como algo sagrado a ser conservado para as próximas gerações, as comunidades indígenas de países sul-americanos defenderam a preservação dos rios e montanhas e criticaram as propostas de privatização e venda de mananciais e aquíferos durante o 8º Fórum Mundial da Água. A brasileira Maria Alice Campos Freire, do Conselho Internacional das Treze Avós Indígenas, explicou que os povos indígenas da Amazônia sempre tiveram uma relação de respeito com a água, que é passada de geração para geração desde os ancestrais.
Na educação tradicional, a água, conta, é reverenciada e, antes de se pensar no consumo, deve ser observada como algo que devemos reverenciar. “Esse conhecimento a gente passa para as filhas. Quando eu eduquei as minhas, sempre tinha um dia da semana em que saíamos sempre muito cedo, de manhã, sem falar nada. Íamos em silêncio à beira da água cantar para ela, louvar à agua, como forma de agradecimento à pureza e nossas relações”, disse.
Na tarde de ontem, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, a sessão especial Culturas de Água dos Povos Indígenas da América Latina foi coordenada pela Unesco. Vinda da Guatemala, a indígena Ana Francisca Pérez Conguache, da etnia Poqoman, de origem maia, é coordenadora da Rede de Mulheres Indígenas. Ela relata que enquanto a maioria só pensa na água para o consumo humano vinda em tubos, as comunidades indígenas sabem que esse bem vem das montanhas.
“Mas quem conserva os rios, os mananciais? Ela é sagrada. Estamos tratando a forma de dizer não à privatização da água, mas queremos a participação dos povos indígenas. Por isso, também pertenço à floresta [na Guatemala], onde há 75 nascentes de água que são conservadas pelas mulheres e homens”. O subsecretário de Demarcação Hidrográfica do Equador, Luís Olmedo Iza Quinatoa, apresentou as conquistas dos povos indígenas no país ao longo dos anos. Segundo ele, foi devido à uma grande mobilização em 1992, na qual foi ocupado e demarcado um território onde havia nascentes de água, que os equatorianos conseguiram um “fato histórico: a aceitação pela sociedade da existência dos povos indígenas”.
Após seguidas lutas e avanços jurídicos, que permitiram inclusive a autonomia financeira e administrativa das comunidades para administrarem internamente os recursos hídricos, Luís Quinatoa afirmou que no ano passado foi nomeado o primeiro-ministro indígena da história do Equador. “Somos seres conectados. Para nós, a água é um ser vivo, divino de uso e propriedade comunitária e portanto deve ser compartilhada. Não entendemos como se deve vender a água. Sempre protegemos e insistimos que nossos recursos naturais não fossem destruídos. Quando as propriedades privadas começam o processo de destruição desses ecossistemas ficamos sem possibilidade de coletar a água”, destacou.
Já Freya Antimilla, representando os povos Mapuche, do Chile, defendeu que as respostas para os recentes descompassos com a natureza, especialmente relacionados à água, estão nos povos originais. “A água é vida. É a nossa mãe, é a nossa vitalidade e o equilíbrio com os elementos da Terra, com os próprios elementos dessa natureza. É equilíbrio da nossa maneira de viver com esses elementos. A escassez da água e todos problemas que estamos vivendo e crescem cada vez mais nasce desse desequilíbrio: só tirando, tirando, tirando. Sem dar importância e deixando a biodiversidade de lado”, criticou.
Ao responder a perguntas da plateia, Maria Alice Campos Freire, do Conselho Internacional das Treze Avós Indígenas, citou que o Fórum Alternativo Mundial da Água, que também ocorre na capital federal, está construindo o um “dossiê” com as histórias de terras indígenas e “santuários da natureza” que estão sendo ameaçados por diversos setores. Ela citou como exemplo as Terras Indígenas Évare I e II, no Alto Solimões, onde os povos indígenas estão sendo “assassinados” e as mulheres, raptadas (ABr).