César Munhoz (*)
Hoje assisti uma entrevista com Pete Burns, um dos maiores mestres da música pop de todos os tempos. É dele a canção “You Spin Me Round (Like a Record)” que inaugurou uma nova era na música dançante nos anos 80 com o high-NRG, uma mistura de disco, techno, punk e timbres estridentes. Uma das tracks de maior importância e influência na música mundial, uma daquelas obras que muda tudo, mas tudo mesmo. É também uma obra que fez e continua gerando dinheiro para publishers, distribuidores e artistas envolvidos. Eu posso ficar aqui listando características e razões pelas quais Pete Burns e sua obra são demais, mas a maioria das pessoas que ler esse texto muito provavelmente não vai se lembrar nem de um nem de outro.
O entrevistador é Boy George, líder do Culture Club, contemporâneo de Pete Burns. Ambos se tornaram estrelas pop nos anos 1980. Os dois têm caminhos parecidos, exceto pelo fato de que Boy George tem mantido ao longo dos anos um ritmo de exposição relativamente uniforme na mídia mainstream. Ele foi, por exemplo, jurado do The Voice Austrália entre 2016 e 2020, enquanto que Pete Burns apareceu um pouco aqui, um pouco ali, chegou a participar do Big Brother UK em 2006, mas manteve uma vida mais reservada e distante de computadores, telefones e câmeras até sua morte em 2016.
Tenho certeza que a maioria das pessoas também não vai se lembrar de Boy George, nem de Culture Club, nem de suas canções. É possível que você tenha dançado músicas dos dois artistas no casamento mais recente em que compareceu. Mas dos nomes e dos rostos muito provavelmente você não vai lembrar. É possível que não saber da existência deles não lhe faça falta alguma.
E para eles, será que o fato de que você nunca ouviu falar deles fez ou fez falta para eles? Na entrevista que mencionei no início desse artigo, Pete Burns diz que não via vantagem nenhuma em ser famoso, que isso lhe trazia mais problemas do que benefícios. Para ele, a fama era um instrumento a ser usado para promover seu produto, mas que mesmo assim, muitas vezes ele não precisava dessa fama para isso. Suas conexões mais próximas e seu círculo de amigos às vezes tinha mais influência na hora de, por exemplo, licenciar uma composição. Suas decisões também não tinham sempre o propósito de promover sua arte. Em 1993, por exemplo, ele recusou o convite de Madonna para acompanhá-la em uma turnê mundial para passar mais tempo com a mãe.
Na camada mais superficial de vídeos e pseudo resenhas sobre arte publicadas por aí, Pete Burns matou sua carreira ao recusar o convite de Madonna. Ele é tido como um one-hit-wonder, um termo desgastado que significa “aquele que só fez sucesso com uma música”, uma visão antiquada e desconectada da realidade do profissional de entretenimento. Uma ideia que considera a visão mais obtusa – burra mesmo, torta – do que é trabalhar com arte e com entretenimento. E que muitos profissionais da imprensa e do entretenimento continuam perpetuando, mesmo sabendo que este é um mercado muito mais interessante, complexo e recompensador do que aparecer em capa de revista, ganhar prêmios ou ter milhões de plays em qualquer que seja a app. Artistas e entertainers tem diferentes propósitos (que não necessariamente envolvem fama), caminhos próprios, vontade própria e atuam em nichos incrivelmente específicos cuja medida de sucesso não necessariamente é o tapete vermelho.
(*) É artista, comunicador e produtor de ativos de entretenimento para projetos em 3 continentes. Mestre em Entertainment Business pela Full Sail University, com formação em Jornalismo, Publicidade e Cinema pela UTP, Planejamento de Comunicação Integrada pela FAO, Sound Design pela Escola São Paulo de Economia Criativa, AIMEC e Escuela Sonica Buenos Aires. César apresenta a live semanal “Arte, Entretenimento e Conexões” nos canais da Full Sail Brazil Community.