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Uma empresa pode permitir que seus funcionários renunciem a direitos trabalhistas?

em Destaques
segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Uma análise da questão, com base na CLT e em face dos debates sobre trabalho autônomo x pejotização

Dhyego Pontes (*)

Onerosidade, não-eventualidade, pessoalidade e subordinação. Esses são os quatro elementos que, conforme a legislação trabalhista brasileira, caracterizam uma relação empregatícia, podendo ser cumulativos ou não dentro do contexto de uma específica contratação.

Ato contínuo, quando tais pontos estão presentes, fica o empregador obrigado a arcar com os custos daquele vínculo, ou seja: verbas salariais e trabalhistas (do piso salarial da categoria, a 13º salário, férias e aviso-prévio).

Ocorre que, dado o avanço das discussões sobre a necessidade de uma maior flexibilização das relações de trabalho no Brasil – as quais ganharam ainda mais força com a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017) –, um tema que, não raro, surge a baila é da renúncia de direitos em prol, por exemplo, de um salário líquido que seria mais vantajoso também para o trabalhador.

Mas um empregado pode, de fato, abrir mão de seus direitos trabalhistas (mesmo que, ao menos em tese, haveria contextos em que essa escolha lhe seria vantajosa)?

Da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas

Sem meias palavras, a resposta é não, uma vez que a legislação trabalhista brasileira prevê o princípio da irrenunciabilidade (ou indisponibilidade) de direitos, isto é, que não é possível a um trabalhador optar por não usufruir daquilo que lhe é devido quando está caracterizada a relação empregatícia.

O empregador que, por sua vez, estimular de algum modo essa renúncia, fica sujeito não só ao pagamento futuro de todas as verbas trabalhistas do empregado em um eventual processo futuro, como também de possíveis sanções relacionadas, por exemplo, com o abuso do poder diretivo e danos morais individuais e coletivos.

Trabalhadores autônomos

Essa questão, é interessante que se observe, ganhou nuances mais complexas a partir da introdução do art. 442-B na CLT com a Reforma Trabalhista, o qual, por ter um tom generalista, abre espaço para interpretações nem sempre precisas e que caminham no sentido da precarização da relação do trabalho.

Diz o trecho que “a contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado”.

Via de regra, na leitura mais geral do meio trabalhista atual, entende-se por formalidades legais, a formalização de contratos de prestação de serviços que caracterizam a preservação da autonomia do trabalhador – e, portanto, sua não-subordinação jurídica ao contratante – e a guarda dos recibos que comprovam aquela prestação.

Pejotização

Já a pejotização se dá quando a empresa contrata uma pessoa jurídica, na qual de fato uma pessoa física presta serviços de forma pessoal, habitual, onerosa, na qual os riscos da atividade econômica são do seu contratante, e principalmente, executando ordens e orientações de seu contratante e seus empregados, ou seja, prestando serviços de forma subordinada.

De forma geral, tal prática é utilizada para uma reduzir os custos e encargos trabalhistas para a contratante, como também de aumentar o salário líquido final do trabalhador.

Cabe destacar que tal prática, geralmente é justificada pela empresa, com a demonstração de um contrato de prestação de serviços bem formulado, mas no direito do trabalho, diante do princípio da primazia da realidade, o que devemos nos atentar é o que acontece de fato, o que realmente aconteceu, dessa forma, caso a empresa precise de um profissional o qual preencha os requisitos aqui elencados, a empresa deve contratar um empregado, não um “PJ”.

A necessidade de atenção por parte das empresas

A partir dos pontos explanados ao longo do presente artigo, é possível concluir, primeiramente, que a contratação de trabalhadores autônomos por uma empresa é uma alternativa prevista na Consolidação das Leis do Trabalho e reforçada pela Reforma Trabalhista de 2017, mas que, em contrapartida, exige cautela e observância das “formalidades legais” que incluem, dentre outros pontos, a emissão de recibos de pagamento à autônomos (RPA), contrato que estipule o vínculo de prestação de serviço e cadastro do contratado no INSS, como também a ausência de subordinação e de que ocorra de fato a autonomia na prestação de serviços. Dessa forma, por mais que o art. 442-B da CLT introduzido pela Lei 13.467/2017 abra, de fato, espaço para debates acerca de uma maior flexibilização das relações de trabalho, o dispositivo, entretanto, não exime as empresas de cumprirem com suas obrigações quando há elementos que caracterizam a subordinação e o desvirtuamento do trabalho autônomo.

Já para a contratação de uma pessoa jurídica, a empresa deve-se atentar para não preencher os requisitos para configuração do vínculo empregatício, como a habitualidade, onerosidade, pessoalidade, alteridade e subordinação jurídica, pois preenchendo tais requisitos estará configurada a pejotização, que coloca a empresa como passível de sanções em eventuais reclamatórias trabalhistas, administrativos e fiscais

Nesse mesmo sentido, um segundo ponto que fica claro é o de que, mesmo que seja do interesse do trabalhador, a empresa não pode estimular que um ou mais empregados renunciem a direitos que lhes são favoráveis e irrenunciáveis, considerando-se o ordenamento do modelo trabalhista brasileiro.

Na dúvida, o recomendado é buscar por orientação especializada e evitar passos em falso que podem comprometer as finanças, reputação e qualidade das relações trabalhistas em uma empresa.

(*) Consultor Trabalhista e Previdenciário da Grounds.