Carlos Pires (*) e Sebastian Soares (**)
Não pairam mais dúvidas de que as empresas precisarão endereçar as questões relacionadas à gestão dos aspectos ESG (Environmental, Social and Governance, ou Ambiental, Social e Governança) de modo a construir uma agenda de gestão que demonstre aos diversos stakeholders o seu propósito e o engajamento genuínos na resolução de problemas reais da sociedade ou do planeta, além do lucro.
Tudo que temos debatido — como riscos climáticos e ambientais, vulnerabilidade de uma parcela considerável da sociedade, falta de políticas públicas e programas efetivos de diversidade e inclusão, além de notícias sobre casos de corrupção e favorecimentos ilícitos — demonstram que falhamos (e muito) em diversos compromissos firmados. E por quê?
Quaisquer que sejam os indicadores, gráficos, análises, e até mesmo percepções, demonstram que pouco evoluímos no endereçamento da resolução de alguns dos problemas críticos da sociedade e do planeta. Podemos até tentar identificar as mais diversas causas estruturais, criar ou mencionar justificativas e atrelar a culpa e responsabilidade aos governos, no tal do capitalismo selvagem, e assim por diante.
Ainda assim, melhoramos em algumas frentes, como saúde geral da população, redução do analfabetismo e direitos das mulheres. Mas o primeiro passo para termos um planeta e uma sociedade melhores para as próximas gerações é, sim, reconhecer que falhamos em algumas frentes fundamentais, e, principalmente, que o tempo passa a ser um fator decisivo para que consigamos agir protegendo as bases do desenvolvimento da sociedade.
O tema da sustentabilidade, da busca por um modelo de desenvolvimento sustentável, não é novo no Brasil e no mundo, mas, pelas inúmeras questões mencionadas acima, algumas empresas vinham tratando o assunto como greenwashing (o que, em uma tradução literal, significa “lavagem verde”, mas que, na realidade, significa “disseminação de resultados positivos que não podem ser apoiados por evidências mensuráveis”). Isso não será mais tolerado.
Afinal, pelo menos os diversos stakeholders (reguladores, clientes, fornecedores, ONGs, sociedade civil, colaboradores, governos, investidores e fomentadores de crédito) estão sendo e serão providos cada vez mais de informações que lhes possibilitarão identificar e separar as empresas com propósito e engajamento genuínos daquelas que (se continuarem existindo) persistem em práticas de greenwashing e socialwashing.
Mas, vários atores da sociedade têm se movimentado para coibir este tipo de comportamento em relação a temas tão críticos para todos. Nos últimos 20 anos, as empresas têm prestado contas aos stakeholders, principalmente por meio dos Relatórios de Sustentabilidade, que, para muitas empresas, têm caráter voluntário e não requerem a verificação independente por parte de auditores externos (exceto para as Companhias Abertas no Brasil que preparam o Relato Integrado a partir de dezembro de 2021, no qual a verificação independente passou a ser obrigatória).
Tanto a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) como o Bacen (Banco Central) baixaram resoluções que estarão vigentes a partir de dezembro de 2022 (dependendo do tamanho da instituição financeira de acordo com as Resoluções colocadas em vigor). As instituições financeiras passam a integrar os riscos climáticos, ambientais e físicos em suas avaliações de riscos do negócio. Isso também é um fato novo.
A Resolução 59 da CVM instituiu, com vigência a partir de 2023, alterações nas ICVM 480 e 481, incluindo a divulgação de práticas ESG nos Formulários de Referência, no viés de “pratique ou explique”. Outros reguladores abriram audiências públicas para escutar do mercado quais informações os stakeholders querem ver divulgadas pelas instituições financeiras — e seus clientes — e devem estar anunciadas até o final do ano.
Em âmbito internacional, os reguladores também abriram audiências públicas sobre este tema. Nos próximos meses, devem divulgar as primeiras normas a serem requeridas na divulgação dos riscos climáticos e ambientais sobre os negócios. A audiência pública da SEC (Securities Exchange Commission dos Estados Unidos) encerrou-se em junho passado. A audiência pública das duas primeiras proposições (exposure drafts) do ISSB (International Sustainability Standard Board, criada em novembro de 2021, durante a COP 26 em Glasglow), as IFRS S1 e S2, terminou em 29 de julho último.
Ainda há muito por vir e ser regulamentado no Brasil e no mundo nos próximos anos. Entretanto, voltando às considerações iniciais, a questão principal e que precisa ser reforçada aqui é: os stakeholders deterão acesso a uma série de informações que, inclusive, poderão ser comparadas entre empresas, e que possibilitará, em uma expressão popular, separar cada vez mais “o joio do trigo”.
E, poderão influenciar, dentre outros: as tendências de consumo; a atração e retenção de talentos; quem e quais serão os provedores escolhidos em cadeias de suprimento; as taxas de juros nas captações financeiras; e quais serão seus prováveis clientes (e se eles querem e estarão associados com a marca ou o produto).
Diante de tudo isso, a transparência e a assertividade nas ações propositivas e proativas, e as consequentes divulgações apropriadas em torno da agenda de ESG, serão, em um futuro não muito distante, um tema vivo e dinâmico nas agendas de todos os Conselhos de Administração e, também, da sociedade civil.
Além de ser um instrumento importante para identificarmos empresas socialmente responsáveis, ambientalmente sustentáveis e administradas de maneiras apropriadas, como resultado dessas ações, poderemos ter uma sociedade e um planeta muito melhor para se viver!
(*) – É sócio-líder de Auditoria da KPMG, membro do Comitê Executivo da KPMG no Brasil e do Comitê Global de Auditoria da KPMG; (**) – É sócio-líder de Assurance e ESG Assurance da KPMG no Brasil e na América do Sul.